Você já se perguntou por que ficamos doentes? E quando isso acontece, podemos nos curar? Estudada amplamente, a conexão corpo e mente nunca foi unânime e, ao mesmo tempo, tão atual. Coexistindo com uma profundidade impressionante, essas respostas em todos os tempos passados e atuais, permanecerão indecifráveis. E se tornam vivas para nós quando nos perguntamos: Será que, sem nenhum aviso prévio, estou doente? E foi assim que aconteceu com a protagonista da nossa história.
Laura caminhava pelas movimentadas ruas da cidade em um dia ensolarado. O sol emitia raios suaves que pareciam acariciar sua pele. A luz dourada refletia nas pedras da calçada, criando um cenário sereno. No entanto, por mais idílico que o dia pudesse parecer, ela carregava o peso de sua agitada rotina de trabalho e compromissos.
Naquele dia, Laura havia reservado um tempo para uma consulta de rotina, um breve momento de pausa em sua agenda, que muitas vezes parecia tão cheia que a fazia se sentir como um deus controlando o tempo. Ela embarcou no ônibus, que estava repleto de passageiros, mas conseguiu chegar ao consultório médico pontualmente.
Após ser chamada, Laura foi atendida pelo médico, que após uma série de perguntas e análises, comunicou a notícia que a pegou de surpresa: “Parece que há uma alteração no seu exame. Vou encaminhá-la para outra consulta, faça o quanto antes.” Laura tentou se tranquilizar. Não poderia ser algo sério, apenas uma pequena complicação que um antibiótico resolveria, pensou. Entretanto, as consultas e exames subsequentes alimentaram sua preocupação.
Em uma das consultas, o médico disse: “Aguarde até 30 dias para sabermos se precisará de cirurgia, mas pelas características condiz com essa necessidade.” Aquela notícia pairou sobre Laura como uma nuvem escura, fazendo com que cada segundo parecesse uma eternidade. Ela passava horas a fio tentando compreender o que havia acontecido, questionando-se sobre o que poderia ter feito de errado. Nesse período de incerteza, Laura começou a refletir sobre a separação entre o corpo e os valores que o pensamento ocidental muitas vezes impõe. Ela percebeu como a medicina, embora assertiva em alguns aspectos, podia ser vaga e desvinculada do bem-estar emocional.
Após a cirurgia, Laura recebeu a recomendação de repouso total, aguardando as dores que normalmente acompanham o pós-operatório. No entanto, os dias passaram e nenhuma dor se manifestou. Surpreendentemente, Laura não sentia nenhum desconforto. Foi nesse momento que algo extraordinário aconteceu. Laura sentiu como se um abraço caloroso a envolvesse, acompanhado por um sussurro suave: “Onde não há culpa, não há dor.” As lágrimas escorreram de seus olhos, não mais de medo, mas de compreensão e perdão.
Laura aprendeu que a cura não se limita apenas ao corpo, mas está intrinsecamente ligada à mente e ao espírito. Ela entendeu que, para se recuperar plenamente, era necessário perdoar a si mesma, abandonando qualquer julgamento que pudesse ter carregado no passado. Agora, ela seguia adiante, não mais como uma máquina controlada por horários e compromissos, mas como uma alma em busca de aprendizado, aceitação e, acima de tudo, do amor próprio.
A experiência de Laura é um convite para tentarmos compreender a complexa relação entre culpa e dor na experiência humana. Refletindo sobre a essência da culpa, compreendemos que se trata de uma emoção que emerge quando assumimos responsabilidade por ações que julgamos como equivocadas ou prejudiciais. Ela está profundamente enraizada em nossa moralidade e no julgamento que fazemos de nossas ações. Muitas vezes, a culpa é uma força motivadora para a mudança e a reparação, levando-nos a tomar medidas para corrigir nossos erros.
No entanto, a culpa também pode ser uma carga pesada. Ela pode se transformar em autocondenação, autocrítica e sofrimento interno. Quando permitimos que a culpa persista sem um propósito construtivo, ela se torna um fardo que pode resultar em dor emocional e psicológica.
A relação entre culpa e dor é complexa. A ideia de que “onde não há culpa, não há dor” sugere que a liberação da culpa pode levar à liberação da dor. Isso nos leva a considerar o perdão, não apenas aos outros, mas a nós mesmos. O ato de perdoar pode ser libertador, permitindo-nos seguir em frente sem o peso da culpa.
Uma filósofa que explorou profundamente o conceito de perdão, tanto em relação aos outros quanto a nós mesmos, foi Hannah Arendt. O perdão, segundo Arendt, é uma resposta à imprevisibilidade das ações humanas e à capacidade de cometer erros. Para Arendt, o perdão a si mesmo é uma expressão da capacidade humana de se redescobrir, de se reinventar e de se libertar do peso de ações passadas. No entanto, Arendt não vê o perdão como um ato simples de esquecimento, mas como um processo complexo que envolve reflexão, responsabilidade e ação futura. Perdoar a si mesmo é reconhecer a própria humanidade e a capacidade de crescimento, mesmo após cometer erros.
Entretanto, será que a ausência de culpa, realmente elimina todas as formas de dor? A vida está repleta de situações complexas, nas quais a culpa nem sempre é o fator predominante na experiência da dor. A experiência humana é multifacetada. As emoções, como a culpa e a dor, são influenciadas por uma miríade de fatores. A relação entre culpa e dor pode variar de pessoa para pessoa e de situação para situação.
É verdade que ainda não chegamos a um consenso tão eficaz em relação ao corpo e a mente e tudo o que os envolvem. Estamos em uma corda bamba pendendo de um lado para o outro, quase perdendo nossos dois elixires e, consequentemente, nossa identidade. Correndo o risco de esquecermos que somos humanos e das nossas preciosas faculdades que nos trouxeram até aqui. As necessidades básicas para sobreviver continuam ancestrais, exatamente as mesmas de séculos anteriores, como se alimentar e se aquecer. Brincar de ser deus não é tão simples. Os superpoderes podem se voltar contra quem os usou.
A intenção desta pensata, cara leitora e caro leitor, é lembrar que a percepção e as experiências da sua vida são ferramentas essenciais. E principalmente, perguntar: você já se ouviu hoje, de modo a revelar ação em prol de seu próprio caminho? A dor de existir, manifestada por vezes no cenário físico, pode ser interpretada como uma oportunidade de parar, observar e refletir sobre o nosso percurso. Portanto, pare e escute. Seu corpo tem muito a revelar sobre você e sua vida.
Como citar essa pensata: Barbosa, Luíza Chiarelli de Almeida; Barbosa, Aline dos Santos. A Relação entre Culpa e Dor: Uma Jornada em Busca do Perdão. Schola Akadémia, v.2, n.8, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2023.
Sobre as autoras
Luíza Chiarelli de Almeida Barbosa
Arquiteta e Urbanista, Mestre em Gestão Urbana e Especialista em Gestão Escolar e em Formação docente para EAD. Doutoranda em Gestão Ambiental. Coautora do livro Vales Imaginários: Anhangabaú. É professora nos cursos de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário Internacional. Tem interesse de pesquisa nas temáticas relacionadas a Filosofia, Artemídia, Interações Socioespaciais, Comunicação, Cultura e Educação.
Aline Barbosa
Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professora Permanente no Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) da Universidade Estácio de Sá. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.