O grafite nas cidades: Espaços que respiram nas mínimas existências urbanas

E se as cidades pudessem respirar? Neste texto sensível e poético, o grafite é retratado como gesto de resistência, memória e afeto que rompe o cinza urbano e revela as camadas ocultas da cidade. Mais que intervenção visual, é linguagem viva que inscreve presenças, escancara silêncios e convida a um novo olhar sobre os espaços que insistem em existir.

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Antes de Falar: Os 3 Filtros da Sabedoria Socrática

João trabalhava em um escritório de uma grande empresa, onde a rotina era marcada por metas, prazos e a constante interação entre os colegas. Como em muitos ambientes de trabalho, o café da manhã e as pausas para o café eram momentos de descontração, mas também de conversas paralelas que, por vezes, se transformavam em rumores sobre a vida pessoal e profissional de outros funcionários. Certo dia, João ouviu uma conversa entre dois colegas sobre Pedro, um dos funcionários mais antigos da empresa.

Os colegas comentavam, em tom de fofoca, que Pedro estava prestes a ser demitido por causa de um suposto erro grave. João ouviu aquilo e, por um instante, sentiu-se tentado a repassar a informação para outros, talvez até para seus amigos mais próximos no escritório. Afinal, era algo que afetava diretamente o ambiente de trabalho, e seria interessante estar “por dentro” das últimas novidades.

No entanto, uma inquietação tomou conta de João. Ele se lembrou de uma antiga conversa filosófica que tivera com um amigo, em que haviam discutido sobre os três filtros socráticos. “Será que essa informação que acabei de ouvir passa pelos três filtros?”, ele se perguntou. E assim, João iniciou um processo reflexivo que o conduziria a uma decisão importante.


Primeiro filtro: A verdade

O primeiro filtro que passou pela mente de João foi o da verdade. Ele se perguntou: “Será que isso que ouvi é realmente verdade? De onde vem essa informação? Tenho como confirmá-la?”. Ao relembrar a conversa dos colegas, João percebeu que o que eles estavam fazendo era especular. Ninguém ali havia falado com certeza sobre a situação de Pedro; era apenas um rumor que se espalhava rapidamente, sem nenhuma confirmação oficial.

João refletiu: quantas vezes ele mesmo havia sido vítima de informações falsas ou distorcidas? E mais, ele sabia o quanto informações incorretas podiam gerar mal-entendidos e prejudicar pessoas inocentes. Afinal, Pedro poderia estar com problemas que ele mesmo desconhecia, ou talvez a situação fosse muito diferente do que haviam especulado.

Ao concluir que não havia certeza sobre a verdade do que ouvira, João começou a perceber que não seria sábio repassar adiante. Porém, mesmo que fosse verdade, será que valeria a pena compartilhar? Isso o levou ao segundo filtro.


Segundo filtro: A bondade

Agora, João se perguntou se compartilhar aquela informação faria bem a alguém. Ele refletiu sobre o impacto que suas palavras poderiam ter sobre Pedro e sobre o ambiente de trabalho como um todo. Se Pedro estivesse realmente prestes a ser demitido, espalhar esse rumor apenas aumentaria o estresse e o clima de desconfiança ao seu redor. João lembrou-se de como a empresa já estava em um período de mudanças e como isso deixava todos tensos. Compartilhar mais esse rumor poderia gerar insegurança entre os funcionários e, pior, prejudicar ainda mais a imagem de Pedro diante dos colegas, antes mesmo de qualquer decisão oficial.

Mesmo que a informação fosse verdadeira, era evidente que não traria nenhum benefício a Pedro ou a qualquer outra pessoa ao redor. A bondade, pensou João, não estava apenas em não causar mal diretamente, mas também em não alimentar conversas que pudessem gerar desconforto e sofrimento desnecessário.

Mas então, ele ponderou o último filtro: ainda que a verdade fosse duvidosa e a bondade questionável, haveria algum motivo para que essa informação fosse realmente útil?


Terceiro filtro: A utilidade

A última questão que João precisou enfrentar foi a da utilidade. Mesmo que o que tivesse ouvido fosse verdadeiro e, em algum nível, não tão prejudicial, seria aquilo útil? Traria algum valor prático ou construtivo compartilhar essa informação com outras pessoas?

João ponderou: em que aquilo poderia mudar a sua rotina de trabalho ou a de seus colegas? Afinal, saber sobre uma possível demissão de Pedro não mudaria a situação de ninguém, exceto para gerar mais especulações e comentários vazios. Além disso, João percebeu que ele não era a pessoa que poderia tomar qualquer tipo de ação útil diante daquilo. Se Pedro realmente estivesse em uma situação delicada, caberia aos superiores ou aos gestores resolverem, e não a ele ou aos seus colegas de trabalho.

Diante disso, João concluiu que compartilhar o rumor não traria nenhuma utilidade prática. Seria apenas uma forma de alimentar fofocas e aumentar a ansiedade dos colegas, sem contribuir de maneira positiva para o ambiente de trabalho.

Depois de passar pelos três filtros, João tomou sua decisão: ficar em silêncio. Ao contrário do que poderia parecer, o silêncio naquele momento não era uma omissão ou negligência, mas uma escolha consciente e ética. Ele percebeu que não precisava espalhar uma informação incerta, que poderia causar danos e que, no fim das contas, não teria nenhum valor prático para ninguém. João seguiu sua rotina, sem alimentar mais conversas sobre Pedro e focando em seu próprio trabalho.

Essa decisão, embora simples, foi um exercício de sabedoria que muitos esquecem em meio à pressa cotidiana. Em um mundo onde informações circulam sem controle, aprender a aplicar os três filtros socráticos é mais relevante do que nunca. A verdade, a bondade e a utilidade são pilares que nos ajudam a viver de forma mais consciente, refletindo sobre o poder das palavras e suas consequências. Afinal, muitas vezes, o verdadeiro ato de sabedoria está não no que dizemos, mas no que escolhemos não dizer.

Agora, resta uma pergunta a você, cara leitora / caro leitor: quais conversas, informações ou pensamentos passariam pelos três filtros socráticos no seu dia a dia?

Fonte da Imagem: gerada com IA.

Como citar essa pensata: Barbosa, Aline dos Santos. Antes de Falar: Os 3 Filtros da Sabedoria Socrática. Schola Akadémia, v.3, n.6, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2024.

Sobre a autora

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É professora, Orientadora e Mentora Acadêmica. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

A Arte do Oleiro: O Barro que Molda o Homem e a Sua Jornada

No âmago da terra repousa uma matéria-prima humilde e ancestral: o barro. Na complexidade de sua composição, encontramos uma riqueza simbólica e prática que perpassa tanto a criação do homem quanto a construção de civilizações. No livro de Gênesis, lemos que “O Senhor Deus modelou o homem com barro da terra. Soprou-lhe nas narinas e deu-lhe respiração e vida. E o homem tornou-se um ser vivo” (Gênesis 2:7). Essa passagem não só aponta para a origem divina do ser humano, mas também revela a profunda conexão entre o homem e a terra. A história do oleiro Antônio e da arqueóloga Lúcia ilustra a adaptabilidade do barro como um poderoso símbolo para nossas vidas.

Antônio acorda cedo todos os dias e vai para sua oficina, um espaço simples repleto de lembranças e histórias de sua família. Desde pequeno, ele aprendeu a moldar o barro com seu pai e avô, perpetuando uma tradição que alimentou sua família por gerações. Para ele, o barro não é apenas uma matéria-prima, mas um elemento sagrado que conecta sua família à terra e à essência da vida.

Um dia, enquanto trabalhava em seu torno, foi interrompido por uma visitante que ele não reconheceu de imediato. Lúcia, agora uma arqueóloga renomada, contou para ele como uma de suas esculturas a inspirou quando criança e a levou a seguir sua paixão pelo estudo de artefatos de cerâmica. A estátua que recebeu de presente de seus avós, esculpida por Antônio, tornou-se um símbolo de sua carreira.

Ela explicou para Antônio como a manipulação do barro representou uma das primeiras grandes conquistas do homem pré-histórico e como, por meio de suas pesquisas, ela podia datar e analisar peças cerâmicas antigas, revelando histórias sobre civilizações passadas. Para ela, o barro era um protagonista do desenvolvimento cultural e tecnológico da humanidade.

O barro simboliza a capacidade humana de aprender e se transformar. Assim como a argila pode ser moldada de inúmeras formas, nós também temos o potencial de nos adaptarmos às mudanças e superarmos adversidades. Antônio, moldando sua vida e sustento a partir do barro, representa essa resiliência. Em nossas jornadas, essa adaptabilidade é essencial para enfrentar uma vida em constante mudança e para inovar dentro de nossas áreas de atuação.

A cerâmica, além de uma conquista tecnológica, também é um meio de expressão cultural e artística. Civilizações antigas, como a Grécia, a China e as Américas, utilizaram o barro para criar artefatos que ainda hoje nos revelam suas crenças, valores e modos de vida. Lúcia, por meio de seu ofício, preserva e revela essas histórias, inspirando-nos a valorizar nossas próprias contribuições como humanidade.

Em um mundo que busca cada vez mais práticas sustentáveis, o uso do barro na construção civil apresenta uma alternativa ecológica e eficiente. Técnicas tradicionais, como as habitações de taipa e adobe, oferecem propriedades térmicas superiores e demandam menos energia. A integração desses métodos com tecnologias contemporâneas pode resultar em soluções inovadoras que respeitam o meio ambiente e preservam nossas tradições.

Antônio e Lúcia simbolizam a continuidade e a transformação. Ele, com sua vocação de moldar o barro, e ela, com sua capacidade de estudar e preservar essas criações, demonstram como o passado e o presente se entrelaçam para criar o futuro. A habilidade de Antônio em criar peças transcende a utilidade, alcançando o plano espiritual e artístico, reflete a importância de nossas raízes enquanto olhamos para o amanhã. Lúcia, inspirada por uma estátua de barro, dedicou sua carreira ao estudo deste material, mostra como pequenas influências podem ter grandes repercussões, incentivando-nos a buscar nossas próprias paixões e a deixar um legado significativo.

Em nossas vidas, sermos como o barro significa sermos flexíveis, adaptáveis e receptivos às mudanças. A capacidade de se reinventar e de moldar nossas habilidades conforme as necessidades do contexto é essencial para o sucesso a longo prazo. Assim como Antônio e Lúcia encontraram significado e propósito no barro, podemos encontrar inspiração utilizando suas lições para guiar nossas vidas. A argila, em sua essência, continua a transformar nossa jornada e o mundo ao nosso redor, conectando, de formas diferentes, o ser humano e a natureza.

Convidamos você cara leitora e caro leitor a refletir: estamos sendo como o barro, adaptando-nos e transformando-nos continuamente para criar um futuro mais resiliente e inovador para nós e os outros?

Como citar essa pensata: Barbosa, Luíza Chiarelli de Almeida; Barbosa, Aline dos Santos. A Arte do Oleiro: O Barro que Molda o Homem e a Sua Jornada. Schola Akadémia, v.3, n.5, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2024.

Sobre as autoras

Luíza Chiarelli de Almeida Barbosa

Arquiteta e Urbanista, Mestre em Gestão Urbana e Especialista em Gestão Escolar e em Formação docente para EAD. Doutoranda em Gestão Ambiental. Coautora do livro Vales Imaginários: Anhangabaú. É professora nos cursos de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário Internacional. Tem interesse de pesquisa nas temáticas relacionadas a Filosofia, Artemídia, Interações Socioespaciais, Comunicação, Cultura e Educação.

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É professora, Orientadora e Mentora Acadêmica. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Quero a calma. Tenho a tempestade. Aprendo com ambas. Qual melhor me define?

Ana Beatriz era uma mulher gentil e educada, com um sorriso sempre pronto para iluminar o dia de quem quer que fosse. No entanto, sua rotina diária no metrô de uma grande cidade a colocava à prova constantemente. Todos os dias, ela enfrentava o desafio de pegar o metrô lotado para ir e voltar do trabalho. O vagão do trem era um campo de batalha, onde a cortesia muitas vezes era deixada de lado em meio à luta por espaço.

Inicialmente, Ana tentava manter sua postura amável, esperando pacientemente na plataforma pela oportunidade de entrar no trem. No entanto, ela logo percebeu que sua gentileza estava lhe custando tempo precioso e causando atrasos constantes em seu trabalho. Foi então que ela começou a agir de maneira diferente e a cada manhã se preparava para a batalha que se aproximava. Quando as portas do trem se abriam, ela precisava ser rápida e decidida.

Empurrar, usando força física para abrir caminho entre a multidão, tornou-se parte de sua rotina. Cada dia era uma luta para garantir um lugar no vagão. Às vezes, ela sentia-se culpada por sua própria mudança de comportamento. Aquela não era a pessoa que ela queria ser, mas as circunstâncias pareciam forçá-la a agir de forma diferente.

Mesmo assim, ela nunca perdeu completamente sua gentileza. Entre os empurrões e cotoveladas, ela ainda encontrava momentos para sorrir e pedir desculpas quando acidentalmente esbarrava em alguém. Ela sabia que, apesar das circunstâncias adversas, ainda podia manter sua integridade. No entanto, a cada dia que passava, Ana Beatriz se perguntava até quando precisaria agir de maneira tão diferente do que realmente era?

A Ética Kantiana fundamenta-se na ideia de que devemos agir de acordo com o dever, fazendo o que é certo independentemente do contexto ou das consequências. Segundo Kant, a moralidade é universal e baseada na razão, e devemos agir de forma a tratar cada indivíduo como um fim em si mesmo, e não como um meio para atingir nossos próprios fins.

No entanto, uma frase de Viola Davis em seu livro “Em busca de mim” lança luz sobre uma realidade diferente. Ela expressa a ideia de que, em situações extremas, como na luta pela sobrevivência, a moralidade pode ceder lugar à necessidade urgente de garantir a própria existência. Nessas circunstâncias, as pessoas podem ser levadas a agir de maneiras que, em condições normais, não considerariam moralmente aceitáveis.

Ana Beatriz, a personagem da nossa história, é um exemplo claro dessa aparente dicotomia entre a Ética Kantiana e a realidade vivida. Diante do contexto desafiador do metrô lotado, ela se vê forçada a agir de maneira diferente do que “realmente é” para garantir sua própria sobrevivência no ambiente caótico do transporte público. A pressão das circunstâncias a leva a empurrar, lutar e agir de forma mais agressiva do que gostaria, comprometendo sua verdadeira natureza gentil e educada.

Isso nos leva a refletir sobre o fato de que os problemas nem sempre revelam nosso melhor lado. Em situações adversas, somos testados de maneiras que podem nos levar a agir de forma diferente, ou até mesmo contrária, aos nossos princípios morais e éticos. As dificuldades da vida muitas vezes nos obrigam a fazer escolhas difíceis, e nem sempre podemos manter o nível de integridade moral que idealizamos para nós mesmos. Além disso, as dificuldades e contextos ruins não necessariamente nos tornam pessoas melhores ou revelam o que há de melhor em nós.

Certamente você já se deparou com a afirmação de que é na adversidade que nosso caráter é moldado. No entanto, te convidamos a refletir sobre o seguinte:

Será que realmente é em ambientes turbulentos e conturbados, como um metrô lotado, que o melhor de nós floresce? Ou será que o melhor de nós se revela em ambientes onde desfrutamos de tranquilidade e serenidade para sermos verdadeiramente quem somos? Seria o meio do caminho o melhor modo de moldarmos nosso caráter?

Especialmente no sentido da última questão, Aristóteles nos ensina sobre a importância do equilíbrio como virtude. Sob essa ótica, estar em um ambiente equilibrado, rodeado por pessoas que nos apoiam e nos fazem bem, pode ser fundamental para formar quem somos e para influenciar positivamente nossas ações. Quando estamos em um contexto que favorece o florescimento de nossas virtudes, somos capazes de agir de acordo com nossos princípios morais e éticos, sem sermos compelidos pelas pressões externas.

O Estoicismo e o Budismo, por sua vez, nos ensinam que, por vezes, os maiores vilões de nossos pensamentos e ações não são os problemas em si, e sim a forma como os encaramos. Não podemos negar que as adversidades nos ensinam. Para salvar alguém em uma emergência podemos ver aflorada nossa coragem. Para inocentar uma pessoa honesta de uma acusação maldosa podemos usar o máximo de nosso senso de justiça. Para combater a fome em nossa cidade podemos exercer nossa virtude da solidariedade. E assim por diante.

Embora essas adversidades citadas permitiram o florescimento de nossas virtudes, devemos ter atenção ao fato de que determinadas situações adversas podem nos desafiar e nos levar a agir de maneira contrária aos nossos valores. Nesse caminho, o ambiente equilibrado e favorável revela-se como um tipo de possível antídoto para que possamos, verdadeiramente, demonstrar nosso melhor eu e viver de acordo com nossos princípios mais fortes.

Como citar essa pensata:  Barbosa, Aline dos Santos; Romani-Dias, Marcello. Quero a calma. Tenho a tempestade. Aprendo com ambas. Qual melhor me define? Schola Akadémia, v.3, n.4, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2024.

Sobre os autores

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É professora, Orientadora e Mentora Acadêmica. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Marcello Romani-Dias

Filósofo, Doutor e Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Administração. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professor Titular nos Programas de Pós Graduação em Administração de Empresas e Gestão Ambiental da Universidade Positivo. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

O Capricho como Caminho para Libertar-se da Mediocridade

Certa vez, um sábio disse que a vida é muita curta para que se perca tempo numa existência medíocre.  Essas palavras, lidas por Carlos em algum momento na Internet, pulsavam em sua cabeça de forma constante, como uma daquelas dores de cabeça que nunca se vão – mesmo que você se medique com o mais potente dos analgésicos. Isso acontecia pois ele sabia que, nas profundezas de sua alma, não estava destinado à mediocridade que a vida tentava a ele impor.

Carlos sempre foi muito estudioso, daquele tipo perfeccionista e exigente consigo mesmo. Obteve premiação de destaque no colégio, aprovação para as melhores faculdades federais, conclui sua graduação com êxito e reconhecimento. Seu sonho era prosseguir com os estudos em um programa de pós-graduação de amplo reconhecimento e tornar-se um pesquisador de referência. Os fatos até aqui o faziam acreditar que era como se seu propósito estivesse ali, claro como água, apenas aguardando sua concretização.

Contudo, em algum momento esse propósito se perdeu. Os desdobramentos da vida o levaram a atuar em outras frentes de trabalho. Os anos foram passando, as responsabilidades se acumulando e ele se sentia cada vez distante de seu propósito. Como bom perfeccionista, nunca encontrava o momento ideal para prosseguir com seu sonho: como conseguir dedicar-se ao trabalho, estudo e vida familiar? O nível de exigência que ele imprimia em si mesmo o aprisionava em uma vida morna.

Certo dia, Carlos deparou-se com as falas de um outro sábio. Ele falava sobre capricho, que nada mais era do que fazer o seu melhor dentro das condições possíveis. Este conceito o fez refletir: preciso mesmo esperar condições ideais, que podem nunca surgir, para concretizar meu propósito? Decidiu então reconciliar-se com si mesmo: buscaria seu propósito, mesmo que em condições não tão perfeitas assim, fazendo sempre o melhor possível.

Com o espírito renovado, ele ingressou em um programa de Mestrado que, embora não fosse aquele de seus sonhos, era o que lhe permitira conciliar os aspectos de sua vida naquele momento. Lá dentro, tomou contato e apaixonou-se pela pesquisa acadêmica. Mesmo diante de um ambiente que aparentemente não lhe forneceria condições ideais para torná-lo um grande pesquisador, ele não desistiu de executar as tarefas e artigos com dedicação e capricho: ele não aceitaria ficar apenas na mediocridade.

Este capricho, talvez, tenha sido o que despertou o interesse de excelentes professores por seu trabalho e a oportunidade de ser orientado por eles. Ele enxergou esta porta aberta como algo providencial: para ele, estava ali a chance de dar importantes passos rumo ao seu propósito. Decidir pelo capricho, mesmo em um ambiente que aparentemente não premiaria seu esforço, mostrou-se uma decisão acertada: Carlos foi capaz de, em um curto espaço de tempo, ter trabalhos aprovados em importantes congressos nacionais (concorrendo, inclusive, à premiação) e publicações em periódicos de alto reconhecimento.

Seguindo os ensinamentos do filósofo Contemporâneo Mário Sérgio Cortella – ao fazer o seu melhor, enquanto não tinha condições de fazer melhor ainda – ele abriu caminhos necessários para alcançar um de seus grandes sonhos. Superando as expectativas, ele foi aprovado para cursar Doutorado em um dos programas de pós-graduação mais reconhecidos do país. Todas as vezes que entra pelas portas da concorrida Universidade, pela oportunidade de cumprir seu propósito.  Os sábios tinham razão: o capricho foi essencial para que Carlos se libertasse da mediocridade.

Essa história é um testemunho vívido da importância do capricho em nossas vidas. O capricho, esse conceito tão simples à primeira vista, revela-se como uma poderosa filosofia de vida quando mergulhamos mais fundo em sua essência. Como bem afirmou o filósofo Cortella, o capricho consiste em fazer o melhor com as condições que se tem, enquanto não se tem mais para fazer ainda melhor. Essa definição aparentemente singela encerra uma sabedoria profunda, que transcende as circunstâncias externas e nos impele a buscar a excelência em tudo o que fazemos.

A importância do capricho reside não apenas em seu resultado tangível, mas também na atitude subjacente que ele implica. Ao optarmos pelo capricho, estamos nos comprometendo com a busca incessante pela qualidade e pelo aprimoramento, independentemente das limitações que possamos enfrentar. É a manifestação de uma determinação intrínseca em fazer o melhor possível, mesmo quando as condições não são as ideais.

Em um mundo em que a mediocridade muitas vezes parece ser a norma, o capricho emerge como um antídoto poderoso. Ele nos desafia a transcender a complacência e a conformidade, incentivando-nos a nos esforçar além dos padrões estabelecidos. Ao invés de nos contentarmos com o suficiente, o capricho nos inspira a perseguir a excelência em cada detalhe, elevando-nos acima da mediocridade que permeia tantos aspectos de nossa existência.

Além disso, ele nos ensina a valorizar o processo tanto quanto o resultado. Ele nos lembra que o verdadeiro crescimento e desenvolvimento ocorrem não apenas quando alcançamos nossos objetivos finais, mas também ao longo da jornada que nos leva até lá. Cada pequeno ato de capricho, por mais insignificante que possa parecer, contribui para nossa evolução pessoal e nos aproxima um pouco mais da melhor versão de nós mesmos. É um lembrete constante de que a grandeza não está reservada apenas para aqueles que possuem recursos ilimitados ou circunstâncias ideais, mas sim para aqueles que têm a coragem de fazer o melhor com o que têm à disposição.

É importante ressaltar que não se trata de perfeccionismo irrealista ou obsessão pelo detalhe trivial. Pelo contrário, é um convite a exercer discernimento e sabedoria em nossa busca pela excelência, reconhecendo que nem sempre podemos controlar todas as variáveis externas. O capricho é, antes de tudo, uma atitude de comprometimento e autenticidade, que nos permite honrar nossos valores e aspirações mais elevadas.

Nosso intuito com esta pensata, cara leitora e caro leitor, é que possamos abraçar o capricho como uma filosofia de vida, guiando nossas ações e aspirações com determinação e comprometimento. Que possamos fazer o melhor com as condições que se apresentam a nós, sabendo que é por meio desse esforço perseverante que alcançaremos a verdadeira grandeza.

Assista ao vídeo sobre Noções de Capricho do Filósofo Mário Sérgio Cortella: https://www.youtube.com/watch?v=6fTMmxUVKqs

Como citar essa pensata: Baesso, Lucas;  Barbosa, Aline dos Santos.O Capricho como Caminho para Libertar-se da Mediocridade. Schola Akadémia, v.3, n.3, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2024.

Sobre os autores

Lucas Baesso

Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Relações Internacionais e Ciências Econômicas. Atualmente cursando Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. É professor, Orientador e Diretor financeiro e de marketing do Grupo Palatos. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Empreendedorismo, Estratégia Organizacional e Transformação Digital.

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É professora, Orientadora e Mentora Acadêmica. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Tagarela, Selvagem e Grosseira. Quem? Sua mente!

Há algum tempo participei de um curso de meditação muito especial. Lá aprendi muitas coisas valiosas por meio de um retiro espiritual com ensinamentos do Budismo e que adotava o voto de silêncio. No começo eu não entendi muito bem o motivo de restrições como: levantar às 4h da manhã, tomar o desjejum às 6h e fazer a última refeição do dia até o meio dia. Não usar adereços, maquiagens, perfumes e, especialmente, não poder falar com absolutamente ninguém. O toque de despertar nos acordava às 4h da manhã e meditávamos até às 21h, com alguns pequenos intervalos. Um processo interno intenso que buscava ver as coisas como realmente são – uma das mais antigas técnicas de meditação da Índia (a Vipassana).

No primeiro dia percebi que a nossa mente é tagarela. Isso mesmo. Ela fala sem parar. Você já tentou parar de pensar? Só de tentar não pensar, você já está pensando. É muito difícil tentar calar essa mente que fala sem parar. Quando tentamos fazer isso, ela nos conta histórias do nosso passado. Faz a gente recordar de momentos que não lembrávamos há tempos. Fala sobre medos e ansiedades em relação ao futuro, deixando a gente ansiosos com coisas que ainda não aconteceram. Ela cria teorias da conspiração sobre diversos assuntos. Ela faz você sorrir lembrando de coisas engraçadas. E quando você se dá conta, está ali tagarelando com essa mente que não parou de falar um minuto. Foi então que percebi o motivo de tantas restrições no curso de meditação. Quanto mais elementos ao nosso redor, como celular e conversas com outras pessoas, mais alimento damos para essa mente tagarela seguir falando, falando, falando.

No entanto, parte fundamental desta técnica é conseguir silenciar essa mente tagarela. E é ai que nos deparamos com uma mente selvagem. Sabe aquele cavalo forte e bonito criado solto na floresta e que não permite ser montado por ninguém? Que nunca teve limites impostos e que sempre foi livre fazer o que quisesse? Pois bem, essa é nossa mente. Uma selvagem que não quer ser domada. Quando você tenta silenciar sua mente, mesmo que por alguns instantes, ela se demonstra esse cavalo selvagem que não quer ser domado. Ela vai te levar para lugares que você sequer sabia que existia. Ela vai distorcer a realidade e te deixar confuso. Ela vai te fazer dormir. Ela vai te fazer chorar. Ela vai te fazer sorrir. Ela vai criar uma trilogia de ficção científica inteirinha na sua mente. Ela vai te deixar em pânico com a possibilidade de muitas coisas acontecerem. Ela vai te fazer sofrer, porque ela não quer ser domada. Ela não foi treinada para isso.

Nesse processo você percebe que além de tagarela e selvagem, sua mente também é grosseira. E não é grosseira de falar coisas rudes. Ela é grosseira porque está acostumada com estímulos intensos e grosseiros. Você já tentou ouvir sons bem sutis e que poucas pessoas conseguem ouvir? Já tentou sentir um perfume bem suave de uma flor? Ou comer uma salada sem temperos, valorizando o sabor de cada folha, legume ou verdura? Nós acostumamos nossa mente a estímulos constantes. Especialmente com a era da tecnologia em que não vivemos mais sem celular e internet. Você já observou as pessoas em uma fila? Todas estão vidradas em seus celulares, adormecendo suas mentes enquanto aguardam sua vez de serem atendidas. Somos super estimulados o tempo inteiro. Temos muita dificuldade em apenas contemplar as coisas. Parar e olhar o pôr do sol, por exemplo, sem tirar uma bela fotografia para postar em alguma mídia social. Essa é a realidade das grandes cidades e de muitas pequenas também. Isso faz com que a gente perca a sensibilidade para o sutil, para o delicado. Precisamos de estímulos grosseiros para que algo ganhe nossa atenção.

Quando falo de sutilezas, me refiro as coisas simples do cotidiano que permeiam nossa existência e que não percebemos. Por exemplo, a respiração: elemento crucial para nossa sobrevivência. Você sabia que um ser humano adulto respira entre 10 a 12 mil litros de ar por dia? Você consegue perceber esse ar entrando em suas narinas? Consegue sentir a temperatura desse ar tocando seu nariz por dentro? Ele é frio? Morno? Quente? E quando esse ar sai pelas suas narinas, após passar por seus pulmões, ele sai com a mesma temperatura que entrou? Você consegue sentir os batimentos do seu coração sem colocar a mão no peito ou sem ele estar acelerado por alguma atividade física intensa ou por alguma situação de extrema tensão? Você pode sentir o quente fluindo por suas veias? Tudo isso parece uma loucura para você? “É impossível sentir essas coisas”, você pode me dizer. E eu vou te responder que você pensa assim porque nossa mente é grosseira. Não está preparada a perceber estímulos sutis de coisas que acontecem conosco desde o dia em que nascemos. Ela não foi treinada para isso. Não foi domada a ser menos tagarela e menos grosseira. Mas, sim, tudo isso é possível à partir de muito treino e paciência.

Esses foram os primeiros ensinamentos que tive na busca por uma consciência maior da minha mente. Foi uma das experiências mais transformadoras que tive. Perceber como não temos consciência e domínio da nossa própria mente foi um processo dolorido por semanas. Mas, aprendi nesse curso que devemos sorrir e ter paciência conosco. Somos todos crianças ainda buscando a evolução e o aprendizado neste universo. Cada um tem seu tempo e sua maneira. A mente humana é muito poderosa e desde a antiguidade foi objeto de interesse de grandes pensadores. Para Platão, a mente era uma parte fundamental da estrutura da alma, e ele discutiu sobre isso em várias de suas obras, especialmente em “A República” e “Fedro”.

Platão concebia a mente como sendo composta por três partes principais: a razão (ou logos), a vontade (ou thumos) e os desejos (ou epithumiai). Essas três partes constituíam a alma humana e desempenhavam diferentes papéis na busca pela harmonia e pelo bem supremo.

A razão é a parte mais alta da mente, associada ao pensamento racional, à sabedoria e à capacidade de discernimento. A razão buscava a verdade e o conhecimento absoluto das formas ideais e era considerada a parte mais nobre da alma. A vontade, ou coragem, está relacionada ao espírito guerreiro e à busca pela honra e justiça. Esta parte da mente é responsável por desejos mais nobres, como a coragem, a ambição e a determinação. Os desejos são a parte mais básica e inferior da mente, associada aos apetites físicos e às emoções. Eles incluem desejos por prazer, comida, sexo e outras necessidades físicas e materiais.

Platão acreditava que a virtude e a felicidade estavam relacionadas à harmonia e ao equilíbrio entre essas três partes da mente. Para ele, o papel da pessoa filósofa era treinar a razão para governar sobre a vontade e os desejos, permitindo assim que a alma alcançasse seu potencial máximo e se elevasse em direção ao mundo das formas ideais. Essa visão da mente como parte integrante da alma e como um veículo para a busca do conhecimento e da virtude foi fundamental na filosofia platônica e influenciou profundamente o pensamento ocidental.

Essa pensata de hoje é um convite para que você, cara leitora e caro leitor, possa refletir sobre essa mente tagarela, selvagem e grosseira. Tente identificar estes elementos na sua mente. E tente, aos poucos, exercitar essa percepção mais sutil sobre si e sobre o meio em que você vive. Esteja mais alerta, tenha mais atenção. Esteja presente no agora. Não deixe que as angústias em relação ao futuro e nem que as tristezas em relação ao passado te impeçam de prosseguir. Do mesmo modo, não permita que as alegrias do passado e as boas expectativas em relação ao futuro, lhe atrapalhem de enxergar as mudanças necessárias que a vida impõe. Busque a harmonia entre a razão, a vontade e os desejos. Procure conhecer sua mente, aprender sobre ela e ter controle sobre essa poderosa e fundamental parte de você.

Como citar essa pensata:  Barbosa, Aline dos Santos. Tagarela, Selvagem e Grosseira. Quem? Sua mente!. Schola Akadémia, v.3, n.2, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2024.

Sobre a autora

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É professora, Orientadora e Mentora Acadêmica. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.