Certa vez, um sábio disse que a vida é muita curta para que se perca tempo numa existência medíocre. Essas palavras, lidas por Carlos em algum momento na Internet, pulsavam em sua cabeça de forma constante, como uma daquelas dores de cabeça que nunca se vão – mesmo que você se medique com o mais potente dos analgésicos. Isso acontecia pois ele sabia que, nas profundezas de sua alma, não estava destinado à mediocridade que a vida tentava a ele impor.
Carlos sempre foi muito estudioso, daquele tipo perfeccionista e exigente consigo mesmo. Obteve premiação de destaque no colégio, aprovação para as melhores faculdades federais, conclui sua graduação com êxito e reconhecimento. Seu sonho era prosseguir com os estudos em um programa de pós-graduação de amplo reconhecimento e tornar-se um pesquisador de referência. Os fatos até aqui o faziam acreditar que era como se seu propósito estivesse ali, claro como água, apenas aguardando sua concretização.
Contudo, em algum momento esse propósito se perdeu. Os desdobramentos da vida o levaram a atuar em outras frentes de trabalho. Os anos foram passando, as responsabilidades se acumulando e ele se sentia cada vez distante de seu propósito. Como bom perfeccionista, nunca encontrava o momento ideal para prosseguir com seu sonho: como conseguir dedicar-se ao trabalho, estudo e vida familiar? O nível de exigência que ele imprimia em si mesmo o aprisionava em uma vida morna.
Certo dia, Carlos deparou-se com as falas de um outro sábio. Ele falava sobre capricho, que nada mais era do que fazer o seu melhor dentro das condições possíveis. Este conceito o fez refletir: preciso mesmo esperar condições ideais, que podem nunca surgir, para concretizar meu propósito? Decidiu então reconciliar-se com si mesmo: buscaria seu propósito, mesmo que em condições não tão perfeitas assim, fazendo sempre o melhor possível.
Com o espírito renovado, ele ingressou em um programa de Mestrado que, embora não fosse aquele de seus sonhos, era o que lhe permitira conciliar os aspectos de sua vida naquele momento. Lá dentro, tomou contato e apaixonou-se pela pesquisa acadêmica. Mesmo diante de um ambiente que aparentemente não lhe forneceria condições ideais para torná-lo um grande pesquisador, ele não desistiu de executar as tarefas e artigos com dedicação e capricho: ele não aceitaria ficar apenas na mediocridade.
Este capricho, talvez, tenha sido o que despertou o interesse de excelentes professores por seu trabalho e a oportunidade de ser orientado por eles. Ele enxergou esta porta aberta como algo providencial: para ele, estava ali a chance de dar importantes passos rumo ao seu propósito. Decidir pelo capricho, mesmo em um ambiente que aparentemente não premiaria seu esforço, mostrou-se uma decisão acertada: Carlos foi capaz de, em um curto espaço de tempo, ter trabalhos aprovados em importantes congressos nacionais (concorrendo, inclusive, à premiação) e publicações em periódicos de alto reconhecimento.
Seguindo os ensinamentos do filósofo Contemporâneo Mário Sérgio Cortella – ao fazer o seu melhor, enquanto não tinha condições de fazer melhor ainda – ele abriu caminhos necessários para alcançar um de seus grandes sonhos. Superando as expectativas, ele foi aprovado para cursar Doutorado em um dos programas de pós-graduação mais reconhecidos do país. Todas as vezes que entra pelas portas da concorrida Universidade, pela oportunidade de cumprir seu propósito. Os sábios tinham razão: o capricho foi essencial para que Carlos se libertasse da mediocridade.
Essa história é um testemunho vívido da importância do capricho em nossas vidas. O capricho, esse conceito tão simples à primeira vista, revela-se como uma poderosa filosofia de vida quando mergulhamos mais fundo em sua essência. Como bem afirmou o filósofo Cortella, o capricho consiste em fazer o melhor com as condições que se tem, enquanto não se tem mais para fazer ainda melhor. Essa definição aparentemente singela encerra uma sabedoria profunda, que transcende as circunstâncias externas e nos impele a buscar a excelência em tudo o que fazemos.
A importância do capricho reside não apenas em seu resultado tangível, mas também na atitude subjacente que ele implica. Ao optarmos pelo capricho, estamos nos comprometendo com a busca incessante pela qualidade e pelo aprimoramento, independentemente das limitações que possamos enfrentar. É a manifestação de uma determinação intrínseca em fazer o melhor possível, mesmo quando as condições não são as ideais.
Em um mundo em que a mediocridade muitas vezes parece ser a norma, o capricho emerge como um antídoto poderoso. Ele nos desafia a transcender a complacência e a conformidade, incentivando-nos a nos esforçar além dos padrões estabelecidos. Ao invés de nos contentarmos com o suficiente, o capricho nos inspira a perseguir a excelência em cada detalhe, elevando-nos acima da mediocridade que permeia tantos aspectos de nossa existência.
Além disso, ele nos ensina a valorizar o processo tanto quanto o resultado. Ele nos lembra que o verdadeiro crescimento e desenvolvimento ocorrem não apenas quando alcançamos nossos objetivos finais, mas também ao longo da jornada que nos leva até lá. Cada pequeno ato de capricho, por mais insignificante que possa parecer, contribui para nossa evolução pessoal e nos aproxima um pouco mais da melhor versão de nós mesmos. É um lembrete constante de que a grandeza não está reservada apenas para aqueles que possuem recursos ilimitados ou circunstâncias ideais, mas sim para aqueles que têm a coragem de fazer o melhor com o que têm à disposição.
É importante ressaltar que não se trata de perfeccionismo irrealista ou obsessão pelo detalhe trivial. Pelo contrário, é um convite a exercer discernimento e sabedoria em nossa busca pela excelência, reconhecendo que nem sempre podemos controlar todas as variáveis externas. O capricho é, antes de tudo, uma atitude de comprometimento e autenticidade, que nos permite honrar nossos valores e aspirações mais elevadas.
Nosso intuito com esta pensata, cara leitora e caro leitor, é que possamos abraçar o capricho como uma filosofia de vida, guiando nossas ações e aspirações com determinação e comprometimento. Que possamos fazer o melhor com as condições que se apresentam a nós, sabendo que é por meio desse esforço perseverante que alcançaremos a verdadeira grandeza.
Assista ao vídeo sobre Noções de Capricho do Filósofo Mário Sérgio Cortella: https://www.youtube.com/watch?v=6fTMmxUVKqs
Como citar essa pensata: Baesso, Lucas; Barbosa, Aline dos Santos.O Capricho como Caminho para Libertar-se da Mediocridade. Schola Akadémia, v.3, n.3, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2024.
Sobre os autores
Lucas Baesso
Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Relações Internacionais e Ciências Econômicas. Atualmente cursando Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. É professor, Orientador e Diretor financeiro e de marketing do Grupo Palatos. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Empreendedorismo, Estratégia Organizacional e Transformação Digital.
Aline Barbosa
Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É professora, Orientadora e Mentora Acadêmica. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.