Banquete do Amor: os frutos imortais do corpo e da alma

Hoje é bastante comum que as pessoas emitam opiniões sobre temas complexos de forma rasa e imediatista. Diante desse contexto, tomar contato com o pensamento da Grécia Antiga pode servir como um tipo de antídoto contra respostas vagas e pautadas apenas por um senso comum.

Isso porque era comum, lá nos tempos de Sócrates, Platão, Aristóteles e de tantos outros pensadores geniais que ergueram as bases do pensamento ocidental, que dias e mais dias fossem dedicados às reflexões e discussões de um único tema! Sim, caro(a) leitor(a). O amor foi um desses temas, tão bem refletido em um dos principais diálogos de Platão, denominado “O Banquete.”

Em meio à fartura de comidas, bebidas, músicas e pensamentos filosóficos, Agatão, ateniense e poeta trágico, recebeu em sua casa algumas das maiores mentes gregas da época, Banquete do Amor: os frutos imortais do corpo e da alma Por Aline dos Santos Barbosa e Marcello Romani-Dias e que deveriam realizar discursos de elogios ao amor. Entre os presentes destacavam-se os seguintes: Aristodemo de Cidatenéon – seguidor de Sócrates; Glauco – descrito por alguns historiadores como o irmão mais velho de Platão; Apolodoro de Falero – o narrador do banquete e admirador apaixonado por Sócrates; Fedro de Mirrinunte – muito preocupado com a higiene e a saúde, por isso, tem profundo respeito em temas sobre a medicina; Pausânias – que é retratado como amante de Agatão; Erixímaco – um médico que utiliza a medicina para justificar seus argumentos em favor do equilíbrio e da moderação; Aristófanes – ateniense e o comediógrafo mais famoso da antiguidade; Alcibíades – ateniense e membro de uma família ilustre da época; Sócrates e Platão (acreditamos que o(a) leitor(a) os conheça!); por fim, Diotima de Mantineia, descrita como uma sacerdotisa da época.

Muitos destes convidados tiveram a oportunidade de expor seus elogios ao amor. Para muitos o amor é um Deus belo, por isso teceram discursos elogiosos a ele. Mas, não vamos aqui tratar dos discursos de cada um dos convidados, e sim, do diálogo estabelecido entre Diotima e Sócrates. Diotima é a única voz de uma mulher mencionada no Banquete. O fato dela estar presente é, em si, algo muito raro, pois naquela época as mulheres não costumavam sequer ter uma vida pública. Pelo pouco que sabemos, Diotima vivia em Atenas e devia ter cerca de 40 anos quando encontrou Sócrates (que tinha cerca de 30 anos na época).

Diotima não concorda que o amor é um Deus belo. Ela afirma que o amor não poderia ser Deus, nem belo, ou bom, ou feio, ou mau, ou sábio, nem sequer ignorante. Seria então, um ser mediador, uma espécie de intermediário entre os deuses e as pessoas. O amor estaria entre o belo e o feio, entre o bom e o mau, entre o sábio e o ignorante.

Quando o amor deseja a sabedoria, ao desejar aquilo que não se tem, não quer dizer que ele é totalmente desprovido de sabedoria, isso porque, ao reconhecer a sua ignorância e procurar por sabedoria, ele demonstra não ser um total ignorante. Esse não é um ser composto por uma metade ignorante e outra metade sábia, mas é um ser que possui a sabedoria de sua ignorância.

Assim, segundo os ensinamentos de Diotima, o amor não é um Deus, como os discursos anteriores afirmaram, mas, de outro modo, um “grande gênio, um demônio” (daimon), “intermediário entre o mortal e o imortal”. Por causa destas características, o amor é um intermediário, ou seja, deseja ser sábio e ao desejar a sabedoria é porque esta lhe falta, mas não é totalmente ignorante, pois reconhece a sua ignorância em não ter a sabedoria.

A sabedoria utilizada por Diotima neste contexto é aquela possuída pelos Deuses, sendo desconhecida pelos seres mortais e ignorantes, uma vez que se a conhecessem também a desejariam. Este desejo do amor pela sabedoria é algo que já está inserido na alma humana, isto é, só é desejado porque em alguma medida já é conhecido. Assim, para Diotima, o amor é o meio-termo: se deseja aquilo que já se tem de forma incompleta para que se torne completo.

Esse amor é o desejo de procriar aquilo que é belo, que é o desejo da imortalidade, e que pode ser observado até nos animais: a natureza mortal procura, mesmo diante de suas limitações, tornar-se imortal, por meio da preservação e procriação da espécie, para assim suceder um outro ser novo em lugar do velho.

Diotima afirma que é por causa desse desejo de imortalidade e de alcançar uma glória imortal que as pessoas fazem coisas impensáveis, tais como enfrentar diversos perigos, gastar toda sua fortuna, e até mesmo enfrentar a morte de frente. Por isso, aqueles que desejam conceber por intermédio do corpo se voltam para as mulheres, pois por meio da procriação acreditam que podem conseguir imortalidade, memória e bem-aventurança por todos os séculos seguintes.

Como contraponto, aqueles que “desejam mais na alma do que no corpo”, concebem o pensamento como grande virtude, sendo a forma de pensamento superior e mais bela aquela relacionada aos negócios da cidade e da família, ou seja, a prudência e a justiça. Então, quando este desejo está na alma desde cedo, ao amadurecerem são tomados pelo desejo da concepção e procuram corpos belos que o acolham. Assim, se encontram uma alma bela, nobre e bem-dotada, darão à luz a discursos (produtos intelectuais) sobre a virtude, sobre o que deve ser o homem bom e o que deve tratar.

Esses discursos são os filhos gerados por esse amor, filhos mais importantes do que filhos humanos, afirma Diotima, uma vez que estes garantem uma memória e uma glória ainda mais imortal. Por fim, os discursos que este amor gera, sendo belos, alimentam o belo amado e o educam, gerando assim entre eles amizade mais sólida, porque têm em comum filhos mais belos e mais imortais.

E você, caro(a) leitor(a), quais têm sido o frutos gerados pelo amor em sua jornada nesta terra? Seriam os filhos humanos os principais frutos do amor? Seriam, em contrapartida, os discursos os grandes frutos do amor? Algo pode de fato nos levar à imortalidade?

Nosso convite é para que você pense sobre isso por alguns dias. Faça como os gregos antigos. Ofereça seu banquete.

Como citar essa pensata: Barbosa, Aline dos Santos; Romani-Dias, Marcello. Banquete do Amor: os frutos imortais do corpo e da alma. Schola Akadémia, v.1, n.5, p. 1-3. Disponível em:<www.scholaakademia.com>, 2023.

Sobre os autores

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professora Permanente no Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) da Universidade Estácio de Sá. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Marcello Romani-Dias

Filósofo, Doutor e Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Administração. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professor Titular nos Programas de Pós Graduação em Administração de Empresas e Gestão Ambiental da Universidade Positivo. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.