Banquete do Amor: os frutos imortais do corpo e da alma

Hoje é bastante comum que as pessoas emitam opiniões sobre temas complexos de forma rasa e imediatista. Diante desse contexto, tomar contato com o pensamento da Grécia Antiga pode servir como um tipo de antídoto contra respostas vagas e pautadas apenas por um senso comum.

Isso porque era comum, lá nos tempos de Sócrates, Platão, Aristóteles e de tantos outros pensadores geniais que ergueram as bases do pensamento ocidental, que dias e mais dias fossem dedicados às reflexões e discussões de um único tema! Sim, caro(a) leitor(a). O amor foi um desses temas, tão bem refletido em um dos principais diálogos de Platão, denominado “O Banquete.”

Em meio à fartura de comidas, bebidas, músicas e pensamentos filosóficos, Agatão, ateniense e poeta trágico, recebeu em sua casa algumas das maiores mentes gregas da época, Banquete do Amor: os frutos imortais do corpo e da alma Por Aline dos Santos Barbosa e Marcello Romani-Dias e que deveriam realizar discursos de elogios ao amor. Entre os presentes destacavam-se os seguintes: Aristodemo de Cidatenéon – seguidor de Sócrates; Glauco – descrito por alguns historiadores como o irmão mais velho de Platão; Apolodoro de Falero – o narrador do banquete e admirador apaixonado por Sócrates; Fedro de Mirrinunte – muito preocupado com a higiene e a saúde, por isso, tem profundo respeito em temas sobre a medicina; Pausânias – que é retratado como amante de Agatão; Erixímaco – um médico que utiliza a medicina para justificar seus argumentos em favor do equilíbrio e da moderação; Aristófanes – ateniense e o comediógrafo mais famoso da antiguidade; Alcibíades – ateniense e membro de uma família ilustre da época; Sócrates e Platão (acreditamos que o(a) leitor(a) os conheça!); por fim, Diotima de Mantineia, descrita como uma sacerdotisa da época.

Muitos destes convidados tiveram a oportunidade de expor seus elogios ao amor. Para muitos o amor é um Deus belo, por isso teceram discursos elogiosos a ele. Mas, não vamos aqui tratar dos discursos de cada um dos convidados, e sim, do diálogo estabelecido entre Diotima e Sócrates. Diotima é a única voz de uma mulher mencionada no Banquete. O fato dela estar presente é, em si, algo muito raro, pois naquela época as mulheres não costumavam sequer ter uma vida pública. Pelo pouco que sabemos, Diotima vivia em Atenas e devia ter cerca de 40 anos quando encontrou Sócrates (que tinha cerca de 30 anos na época).

Diotima não concorda que o amor é um Deus belo. Ela afirma que o amor não poderia ser Deus, nem belo, ou bom, ou feio, ou mau, ou sábio, nem sequer ignorante. Seria então, um ser mediador, uma espécie de intermediário entre os deuses e as pessoas. O amor estaria entre o belo e o feio, entre o bom e o mau, entre o sábio e o ignorante.

Quando o amor deseja a sabedoria, ao desejar aquilo que não se tem, não quer dizer que ele é totalmente desprovido de sabedoria, isso porque, ao reconhecer a sua ignorância e procurar por sabedoria, ele demonstra não ser um total ignorante. Esse não é um ser composto por uma metade ignorante e outra metade sábia, mas é um ser que possui a sabedoria de sua ignorância.

Assim, segundo os ensinamentos de Diotima, o amor não é um Deus, como os discursos anteriores afirmaram, mas, de outro modo, um “grande gênio, um demônio” (daimon), “intermediário entre o mortal e o imortal”. Por causa destas características, o amor é um intermediário, ou seja, deseja ser sábio e ao desejar a sabedoria é porque esta lhe falta, mas não é totalmente ignorante, pois reconhece a sua ignorância em não ter a sabedoria.

A sabedoria utilizada por Diotima neste contexto é aquela possuída pelos Deuses, sendo desconhecida pelos seres mortais e ignorantes, uma vez que se a conhecessem também a desejariam. Este desejo do amor pela sabedoria é algo que já está inserido na alma humana, isto é, só é desejado porque em alguma medida já é conhecido. Assim, para Diotima, o amor é o meio-termo: se deseja aquilo que já se tem de forma incompleta para que se torne completo.

Esse amor é o desejo de procriar aquilo que é belo, que é o desejo da imortalidade, e que pode ser observado até nos animais: a natureza mortal procura, mesmo diante de suas limitações, tornar-se imortal, por meio da preservação e procriação da espécie, para assim suceder um outro ser novo em lugar do velho.

Diotima afirma que é por causa desse desejo de imortalidade e de alcançar uma glória imortal que as pessoas fazem coisas impensáveis, tais como enfrentar diversos perigos, gastar toda sua fortuna, e até mesmo enfrentar a morte de frente. Por isso, aqueles que desejam conceber por intermédio do corpo se voltam para as mulheres, pois por meio da procriação acreditam que podem conseguir imortalidade, memória e bem-aventurança por todos os séculos seguintes.

Como contraponto, aqueles que “desejam mais na alma do que no corpo”, concebem o pensamento como grande virtude, sendo a forma de pensamento superior e mais bela aquela relacionada aos negócios da cidade e da família, ou seja, a prudência e a justiça. Então, quando este desejo está na alma desde cedo, ao amadurecerem são tomados pelo desejo da concepção e procuram corpos belos que o acolham. Assim, se encontram uma alma bela, nobre e bem-dotada, darão à luz a discursos (produtos intelectuais) sobre a virtude, sobre o que deve ser o homem bom e o que deve tratar.

Esses discursos são os filhos gerados por esse amor, filhos mais importantes do que filhos humanos, afirma Diotima, uma vez que estes garantem uma memória e uma glória ainda mais imortal. Por fim, os discursos que este amor gera, sendo belos, alimentam o belo amado e o educam, gerando assim entre eles amizade mais sólida, porque têm em comum filhos mais belos e mais imortais.

E você, caro(a) leitor(a), quais têm sido o frutos gerados pelo amor em sua jornada nesta terra? Seriam os filhos humanos os principais frutos do amor? Seriam, em contrapartida, os discursos os grandes frutos do amor? Algo pode de fato nos levar à imortalidade?

Nosso convite é para que você pense sobre isso por alguns dias. Faça como os gregos antigos. Ofereça seu banquete.

Como citar essa pensata: Barbosa, Aline dos Santos; Romani-Dias, Marcello. Banquete do Amor: os frutos imortais do corpo e da alma. Schola Akadémia, v.1, n.5, p. 1-3. Disponível em:<www.scholaakademia.com>, 2023.

Sobre os autores

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professora Permanente no Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) da Universidade Estácio de Sá. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Marcello Romani-Dias

Filósofo, Doutor e Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Administração. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professor Titular nos Programas de Pós Graduação em Administração de Empresas e Gestão Ambiental da Universidade Positivo. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Tetrapharmakon: o remédio Epicurista para as dores da alma

Quando sentimos dor imediatamente pensamos em algum remédio para nos ajudar a combatê-la. Com o avanço da medicina existem diversos tipos de remédios para os mais variados tipos de problemas. Se você tem dor de cabeça, tem um remédio para isso. Se dói o estômago, tem remédio para isso também. Mas, e quando a dor é na alma? Existe remédio para isso também? Em caso positivo, qual será o alcance ou a eficácia desse tipo de “remédio”?

Vamos recorrer à Filosofia e regressar ao período Antigo para que possamos buscar caminhos para tais perguntas. Existe uma corrente de pensamento filosófico chamada Epicurismo, fundada por Epicuro, em Samos – Atenas no século IV a.C. Para esta corrente filosófica a felicidade é encontrada na busca pelo prazer, que vem da ausência de dor física (APONIA), e da ausência de perturbação da alma, como uma forma Tetrapharmakon: o remédio Epicurista para as dores da alma Por Aline dos Santos Barbosa e Marcello Romani-Dias de repouso e ausência de ansiedades e preocupações, que torna a alma humana, por meio das virtudes, inabalável e intocável pelos estímulos externos (ATARAXIA).

Mas, seguindo os preceitos de Epicuro, como podemos realizar esse “processo de busca da felicidade e cura” para as dores da alma?

Na porta da escola de Epicuro estavam escritos preceitos que ficaram conhecidos como Tetrapharmakon (quatro pharmakon – do grego, “drogas”) ou seja, quatro drogas, quatro remédios que seriam importantes para as pessoas com dores ou perturbações na alma. Por meio destes preceitos ou remédios, as pessoas que sofrem com dores em sua alma poderiam encontrar a paz e a cura para estas dores. Vamos conhecer estes quatro remédios recomendados por Epicuro para um tipo de cura da alma:

pharmakon: Não há nada a temer quanto aos deuses. Eles devem ser imitados e adorados, e não temidos;

pharmakon: Não há necessidade de temer a morte. A morte é a ausência de sentidos. Não se pode temer a morte porque não é possível saber nada após ela;

3o pharmakon: A felicidade é possível por meio da busca pelo prazer. O bem pode ser obtido;

4o pharmakon: Podemos escapar da dor e suportá-la. Mesmo o terrível chega ao fim.

Vamos refletir sobre estes remédios. Não devemos temer os deuses, nem a morte, e é possível encontrarmos a felicidade e escaparmos da dor. O que estes quatro remédios nos ensinam? Como, de fato, eles podem nos ajudar a curar a dor de nossa alma?

Dois destes remédios estão relacionados ao medo (deuses e morte) e dois relacionados às conquistas (felicidade e ausência de dor). Não temer a morte e os deuses é importante para que possamos viver uma vida leve. Como é possível ter paz na alma pensando em ser punido pelos deuses diariamente? Ou, pensando na morte o tempo todo? Sobre este ponto devemos nos lembrar dos ensinamentos de Baruch Spinoza, que defende a ideia de que o indivíduo não pode ser feliz em vida pensando a todo instante na morte.

De todo modo, a mensagem que podemos extrair é a de que podemos ser, digamos, “mais leves”.

Seja no plural ou singular, os deuses não são tiranos que buscam nos destruir diariamente.

Eles devem ser vistos como entidades que servem de exemplo e inspiração para sermos seres humanos melhores. E, para Epicuro, os deuses também têm muitos outros afazeres, e podem nos guiar para um caminho de evolução (trata-se de uma visão politeísta que pode ser adaptada para o monoteísmo).

Sobre a morte, não faz sentido, do ponto de vista filosófico, o temor por algo que não encontraremos em vida! O ser humano, enquanto dotado de sentidos, encontra na morte do corpo carnal a perda destes sentidos. Desse modo, seria ilógico temermos a morte, pois não haverá consciência ou sentidos após a morte (na visão Epicurista). Além disso, não controlamos ao certo nem quando nem como ela virá. Temos que nos preocupar com nossa alma, e não com a mortalidade do nosso corpo material.

Então, que sentido faz perturbar a alma com algo que não está sob nosso controle? Esta visão marca, inclusive, o pensamento da corrente filosófica do Estoicismo, que nasce na Grécia Antiga e que posteriormente ganhará grande força no Império Romano. Estoicos como Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio defendem que devemos separar aquilo que está sob nosso controle daquilo que não está. Essa noção é fundamental para a felicidade humana.

Entendemos, no entanto, que apenas com a superação do medo não é possível encontrarmos a paz para a alma.

Estes dois remédios, embora contribuam para a aponia e ataraxia, não são suficientes para a cura da alma. É necessário também a busca, a conquista de algo. Logo, Epicuro afirma que a felicidade é possível quando buscamos o prazer, ou seja, quando buscamos a ausência da dor e a tranquilidade na alma. E, por fim, como consequência, temos o último remédio que é a ausência de dor, não a física, mas a dor na alma. Por meio da educação dos nossos sentidos, podemos escapar da dor. Não existe dor na alma que dure para sempre. Mesmo as dores mais intensas e profundas vão sendo amenizadas e transformadas com o passar do tempo e a partir de nosso aprendizado em como lidar com elas.

Epicuro defende vivermos uma vida que contenha prazeres, mas não todo tipo de suposto prazer. Devemos ter a capacidade de julgarmos e discernirmos por meio da sabedoria, justiça, beleza e prudência, aquilo que trará benefícios para a alma, nos distanciando daquilo que causa dor e perturbação na alma. Logo, a utilização do tetrapharmakon está relacionada com o exercício de reflexão e avaliação sobre nossos desejos, negando aqueles que são advindos de necessidades inúteis, frívolas e artificiais.

E você, tem utilizado estes quatro remédios para livrar sua alma de certos tormentos ?

A Filosofia pode, em grande medida, contribuir contigo nessa busca, como fez conosco.

Em síntese, você pode ou não crer em um Deus punitivo, pode ou não trazer um olhar pessimista para a morte, pode ou não selecionar parte dos prazeres de sua vida e acreditar no bem, pode ou não acreditar no tempo como remédio para nossos males. Há muitas escolhas, como estas, que cabem a nós.

Como citar essa pensata: Barbosa, Aline dos Santos; Romani-Dias, Marcello. Tetrapharmakon: o remédio Epicurista para as dores da alma. Schola Akadémia, v.1, n.4, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2023.

Sobre os autores

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professora Permanente no Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) da Universidade Estácio de Sá. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Marcello Romani-Dias

Filósofo, Doutor e Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Administração. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professor Titular nos Programas de Pós Graduação em Administração de Empresas e Gestão Ambiental da Universidade Positivo. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Dilemas Éticos: quando o choque entre dois valores morais nos perturba

Catarina estava agora com 85 anos. Ela estava feliz, pois acabara de fazer aniversário, e em virtude dessa comemoração muitos familiares vieram de longe para visitá-la. Alguns, inclusive, optaram por esticar a visita por mais alguns dias na cidade de São Paulo, terra de Catarina. Foi nesse contexto que todos, com exceção da própria Catarina, receberam uma notícia muito dura. Mas, antes de tratarmos das intempéries que assolariam a vida da família, vamos resgatar parte da trajetória dessa grande mulher.

Descrever o que foi sua vida até aqueles 85 anos não é tarefa fácil, ao mesmo tempo em que a coerência de sua trajetória facilita, em alguma medida, tal tentativa. Catarina, a professora, lecionava desde seus 26 anos, era casada com Mario desde seus 22 anos, tinha dois filhos, teve uma série de cães em sua jornada, muitos e muitos livros, e uma porção generosa de admiradores de seu caráter e de seu intelecto. Aliás, uma brincadeira frequente que os amigos faziam com Catarina era a de tentar acertar se o maior destaque da amiga era sua honestidade ou sua inteligência.

Nunca chegaram a uma conclusão plausível. De todo modo, Catarina era uma daquelas pessoas de serenidade contagiante, daquelas que nos trazem a sensação de que a ATARAXIA, isto é, o alcance de uma alma livre de perturbações, é possível para nós. Tratava-se de uma mulher que fez valer a pena este curto período a que chamamos de vida. As pessoas, quando estavam em sua companhia, sentiam-se mais inteligentes, principalmente pelo clima especial proporcionado por sua presença.

Muitos prêmios vieram em sua jornada. Reconhecimentos naturais por seu talento e enorme dedicação. Entre artigos premiados em congressos acadêmicos e livros de sua autoria que foram reconhecidos e vendidos nacionalmente, havia um reconhecimento que tinha um lugar especial no coração da professora.

Ela guardava com carinho uma plaquinha de metal, já muito gasta pela ação do tempo, e que contava com os seguintes dizeres: “Querida professora Catarina, obrigado por iluminar nossos caminhos com sua generosidade e sabedoria. Levaremos para sempre em nossos corações seu exemplo e seus ensinamentos. Receba nossa homenagem como paraninfa da turma de Filosofia do ano de 1977.”

Quando Catarina assoprou as velinhas colocadas sobre seu favorito bolo de morango em comemoração aos seus 85 anos, ela não sabia que sua jornada na terra chegaria rapidamente ao fim. Catarina havia sido diagnosticada com uma doença degenerativa, que lhe daria, na melhor das hipóteses, poucos meses de vida. A amada professora não sabia disso, e mesmo que soubesse nada poderia ser feito – seu brilhantismo era simplesmente inócuo neste caso. Essa é a condição humana, cedo ou tarde. Nenhum prêmio poderia salvá-la. Sua honestidade não a retiraria dessa condição. O amor de seus familiares também não poderia surtir efeito algum sobre a doença.

Catarina não estava ciente porque a notícia foi dada, pelo médico da família, somente aos seus familiares. Os entes queridos teriam, então, que decidir sobre contar ou não para Catarina. Estavam diante daquilo que denominamos como dilema ético.

Devemos, nesse ponto, recordar o leitor de que a Ética é uma das áreas clássicas que permeiam a Filosofia, assim como a Lógica, a Epistemologia, a Estética, e tantas outras. Esta área estuda a moral, e parte fundamental de suas discussões trata daquilo que é certo ou errado na vida individual e também na coletividade. Dentro da etimologia, ética vem de ETHOS, que em grego antigo significa comportamento/conduta, em um sentido de costumes. Moral, por sua vez, vem do latim, como MORES, e significa costumes, referindo-se ao comportamento humano. Existem três grandes correntes filosóficas que debatem o que é socialmente certo, verdadeiro, aceitável: Teleologia, Utilitarismo e Deontologia.

  • A ética teleológica surge, no Ocidente, com Aristóteles (caso tenha interesse, utilizamos parte do pensamento de Aristóteles em nossa pensata número 02 – vale a leitura!). Aristóteles, pensador grego que viveu entre 384 a.c. e 322 a.c., defende de certo modo um tipo de ética consequencialista, pautada pela ideia de que se agirmos de modo a tornarmos a coletividade “mais feliz” teremos uma conduta ética adequada – na visão aristotélica isso deve ocorrer por meio do equilíbrio entre virtudes humanas, evitando faltas e excessos.
  • O Utilitarismo, por sua vez, ganha força no século XVIII na Inglaterra, especialmente pelas obras de Jeremy Bentham e John Stuart Mill – estes pensadores entraram em um consenso de pensamento que expressa, em síntese, que a meta da conduta humana é agir de forma que resulte o maior prazer com o menor dano possível para o maior número de pessoas possível, então todas as escolhas devem ser ponderadas nesses comparativos. Uma forma de ação ‘’útil’’ que se aproxima bem da Teleologia.
  • Em sentido bastante diferente das correntes anteriores, encontra-se a Deontologia. DEONTO vem de dever, e significa, grosso modo, que devemos agir dentro de imperativos categóricos. Para o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), principal expoente dessa forma de pensar a ética, esses imperativos são regras universais de condutas que sejam amplamente válidas. Kant defende aquilo que ficou conhecido, portanto, como a ética do dever – devemos agir “corretamente”, o que foge da ideia de maximizarmos os resultados que serão alcançados por nossas ações. O foco aqui não está no resultado, e sim na correção de nossas ações em si.

Retornemos, agora, ao dilema ético vivido pela família de Catarina. A opção de comunicá-la sobre sua real condição de saúde estava nas mãos de seus entes queridos. Resultado: eles entraram em um consenso e optaram pelo silêncio, porque, na visão de um de seus familiares, “dessa forma Catarina viveria seus últimos meses de forma plena, feliz e sem preocupações.” A família entendeu que a “felicidade” de Catarina estava acima da verdade, e por isso não comunicou a professora sobre seu real estado de saúde. Perguntamos, então, ao caro leitor:

  • Você concorda com essa visão da família?
  • Se a responsabilidade fosse sua, por qual caminho você decidiria?
  • Temos o direito de intervir desse modo na vida de outra pessoa diante do argumento de que podemos possibilitar a ela uma vida mais feliz?
  • Estará, em certas situações, a felicidade acima da verdade?
  • Como Kant decidiria? Como Bentham e Mill decidiriam?
  • Devemos levar em conta quem foiCatarina ao decidirmos sobre o dilema ético ?

Para aqueles que tiverem interesse no assunto dos dilemas éticos, recomendamos a leitura do livro de Michael Sandel, professor da Universidade de Harvard, intitulado “Justiça: o que é fazer a coisa certa”, do ano de 2015.

Como citar essa pensata: Romani-Dias, Marcello; Stiegler, Andressa. Dilemas Éticos: quando o choque entre dois valores morais nos perturba. Schola Akadémia, v.1, n.3, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2023.

Sobre os autores

Marcello Romani-Dias

Filósofo, Doutor e Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Administração. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professor Titular nos Programas de Pós Graduação em Administração de Empresas e Gestão Ambiental da Universidade Positivo. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Andressa Stiegler

Atualmente cursando Licenciatura em Filosofia. É barista e especialista em cafés. Tem interesse nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes e Felicidade.

Felicidade: algo que buscamos e que pouco compreendemos

ARISTÓTELES foi um dos primeiros filósofos ocidentais a tratar com profundidade do tema da felicidade, também por meio da influência que recebeu de Sócrates e de Platão. A visão aristotélica sobre o assunto é a de que o ser humano virtuoso é aquele que, em essência, busca a felicidade.

A filosofia nos ensina vários termos associados à felicidade, como Eudaimonia e Ataraxia. O termo Eudaimonia tem o seguinte significado etimológico: EU (aquilo que é bom/do bem) e DAEMON (intermédio entre deuses e homens/espírito/guia): um espírito bom capaz de guiar as pessoas pelos caminhos corretos. A ataraxia, por sua vez, pode ser vista como um meio para a felicidade. Este termo, cunhado pelo filósofo pré socrático Demócrito, significa imperturbabilidade da alma, o que nos remete à tranquilidade da alma, ausência de perturbação. São elementos fundamentais para que possamos contemplar a possibilidade da felicidade.

Pois bem. Nossa compreensão é a seguinte: esses termos, e muitos outros, nos trazem no máximo pistas sobre “caminhos felizes” que podemos tomar em nossas vidas, mas estão longe de trazer algum tipo de fórmula de felicidade válida para nós, meros bípedes cognitivos. Mas, então, como ficamos com a coisa toda da felicidade? Olha, na verdade não podemos ficar com a “coisa toda da felicidade”, pois ela é bem grande. Vamos ficar com um pouco de Aristóteles que já nos ajuda para o momento.

Aristóteles prega o equilíbrio para o alcance da felicidade. Para aqueles que tiverem mais interesse, o nome disso é “Ética do Equilíbrio em Aristóles” (ver especialmente as 12 virtudes morais classificadas pelo pensador grego). Pregar o equilíbrio é o mesmo, para ele, que evitar faltas e excessos. Nessa lógica de pensar temos, por exemplo, que a coragem é o equilíbrio entre a deficiência da covardia e o excesso da temeridade/imprudência, e que a temperança é o equilíbrio entre prazeres e dores.

Além da (i) coragem e da (ii) temperança, as outras dez virtudes que Aristóteles defende para tornar a Eudaimonia possível são as seguinte: (iii) liberalidade, (iv) magnificência, (v) justo orgulho, (vi) anônimo, (vii) calma, (viii) veracidade, (ix) espirituosidade, (x) amabilidade, (xi) modéstia e (xii) justa indignação.

A primeira pergunta que fazemos para nossos leitores e leitoras é, então, a seguinte: como estão suas virtudes? Esse tal equilíbrio tem sido possível ou são as faltas e excessos que vêm governando suas vidas? Vocês sentem que esse “inventário de virtudes” está de fato relacionado com suas felicidades? Isso é o mesmo que perguntar se vocês concordam com Aristóteles!

De qualquer forma, a felicidade acaba sendo o elo de muitos elementos da vida humana. A busca por essa tal paz e plenitude é a razão de muitos de nossos pensamentos e ações. As conquistas, os amigos, as ambições, a incessante busca pelos valores pessoais, os planos, a esperança. Mas, como podemos alcançar essa plenitude diante do fato de que tudo é momento, mutável, passageiro? E pior, como alcançar a felicidade quando ela é tão relativa? De certo modo, Aristóteles nos traz respostas para uma vida que pode ser virtuosa, aproximando-se dessa ideia, como já vimos.

Além das 12 virtudes que mencionamos, podemos pensar em um exemplo da importância do equilíbrio para a felicidade na visão aristotélica. Pense no singelo copo d’água que ilustra nosso texto. A felicidade pode ser, então, vista como esse copo, em que a água vai, por um tempo, saciando sua sede. Quando a água acaba lá vamos nós novamente encher o copo. A ausência completa de água nos mata em poucos dias, a ausência parcial pode nos trazer cálculos renais, aumentar nossa incidência de câncer e, em linhas gerais, encurtar nossa vida.

A água é um exemplo em que o perigo está mais na falta do que no excesso, mas ingerir uma quantidade muito grande de água pode provocar o desequilíbrio na concentração de eletrólitos no sangue, principalmente o sódio (hiponatremia), o que pode levar à “intoxicação por água”. Sim caros leitores e leitoras, nem a água escapa desse crivo! Devemos, então, refletir sobre a falta e sobre o excesso de tudo aquilo que nos cerca.

Aristóteles marcou o pensamento ocidental com suas ideias, vivíssimas até hoje. Se, por um lado, ele nos ensinou que existem limites para praticamente todas as coisas, por outro, ele pode ter contribuído para que não ultrapassemos certos limites em nossas vidas, limites que alguns filósofos chamarão de crenças limitantes. Tais crenças, criadas por nós e pela sociedade como um todo, podem servir, ao contrário, como barreiras para nossa felicidade. Se você tiver interesse por uma visão bastante diferente da ideia de equilíbrio de Aristóteles, leia “Assim Falou Zaratustra”, de Nietzsche, pensador existencialista que na obra declara o seguinte: “eu não sou um homem, sou uma dinamite.” E então, será possível sermos felizes enquanto “dinamites”? Será realmente possível sermos felizes buscando o equilíbrio em um mar tão grande de possíveis virtudes? Ainda em tempo, será possível sermos felizes? Isto é, a felicidade é algo possível para nós?

Como citar essa pensata: Stiegler, Andressa; Romani-Dias, Marcello. Felicidade: algo que buscamos e que pouco compreendemos. Schola Akadémia, v.1, n.2, p. 1-2. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2023.

Sobre os autores

Andressa Stiegler

Atualmente cursando Licenciatura em Filosofia. É barista e especialista em cafés. Tem interesse nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes e Felicidade.

Marcello Romani-Dias

Filósofo, Doutor e Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Administração. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professor Titular nos Programas de Pós Graduação em Administração de Empresas e Gestão Ambiental da Universidade Positivo. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Se eu Quero e Posso, por que não Devo?

VOCÊ já se deparou com um dilema ético? Aquele em que você quer fazer determinada coisa, tem poder para fazê- la, mas sabe que não é correto? Existem três perguntas muito interessantes que podemos fazer para nos ajudar diante de encruzilhadas éticas: Quero? Posso? Devo?

Vamos ilustrar essas perguntas em situações fictícias (ou nem tanto). Por exemplo, avançar o semáforo vermelho em uma rua escura à noite. Você quer fazer isso, pois está tarde e não quer ficar parado no semáforo. Você pode fazer isso, pois ao olhar para ambos os lados e notar que não existem veículos nem pedestres no local, é só acelerar o carro e avançar o semáforo. Mas, você deve fazer isso? E se, de repente, ao acelerar o carro, surge um animal no meio do caminho? E se, tiver um radar semafórico naquele local, você avançaria o sinal? E se, você ficar ali parado e for assaltado?

Imagine agora outra situação. Você está atravessando a rua e uma senhora vindo em sua direção deixa cair suas sacolas da feira. É banana para um lado, maçã para outro, batatas rolando pela rua. O correto seria você ajudá-la, pois o sinal de pedestres vai fechar e aquela pobre senhora corre o risco de ser atropelada caso você não a ajude. Isso é algo que você deve fazer. No entanto, você está com pressa para chegar em uma entrevista de emprego. Logo, parar para ajudar aquela senhora a arrumar toda a bagunça pode lhe custar a tão almejada vaga de emprego, caso você se atrase para este importante compromisso. O que fazer?

Perceba, cara leitora e caro leitor, se fossem situações fáceis de serem resolvidas não seriam dilemas e, tampouco, seriam pauta de uma reflexão filosófica. O fato de querermos algo e de podermos algo, não torna isso algo adequado de ser feito.

De modo similar, o fato de termos o dever de algo, não torna aquilo algo que queiramos fazer. Você pode ter o dever de fazer uma determinada atividade mesmo sem gostar.

Como por exemplo, tomar banho. Esta é uma atividade diária em nossa cultura apreciada por muitos, sendo inclusive, um grande momento de prazer e relaxamento. Para parte das pessoas não existe nenhum dilema em questão. Entretanto, para um grupo de pessoas o cenário não é exatamente assim. Existe um dever higiênico, de saúde e social no ato de tomar banho, mas para pessoas que não gostam deste ato, isso torna-se um momento ruim em seus dias. Logo, é algo que eu devo, mas não quero.

Trazendo uma lente filosófica para nossa pensata, vamos recorrer ao filósofo Immanuel Kant, o filósofo que fala sobre a ética deontológica ou a ética do dever. Kant propôs o que chama de imperativo categórico, como um tipo de determinação de deveres impostos pela nossa consciência que fossem aplicados universalmente. Uma espécie de conjunto de valores morais que deveriam ser seguidos por todos, em qualquer lugar do mundo, independentemente diferenciações culturais.

A máxima Kantiana afirma quedevemos agir como se nosso comportamento fosse um imperativo categórico. Ou seja, se eu avançar o sinal vermelho a noite, todas as pessoas devem fazer igual, é imperativo que todos ajam desta forma.

E, caso alguma senhora derrube suas compras da feira na rua, mesmo atrasado e não querendo ajudar, é imperativo que todos ajudem, mesmo que se prejudiquem por causa disso. Imagine como seria isso? Imagine agir de tal modo que sua forma de agir seja uma lei universal?

E você, caro leitor e cara leitora, o que você Quer, Pode e não Deve? E o que você Deve, Pode, mas não Quer? E o que você Quer, Pode e Deve?

Como citar essa pensata:
Barbosa, Aline dos Santos. Se eu quero e posso, por que não devo? Schola Akadémia, v.1, n.1, p. 1-2. Disponível em: <www.scholaakademia.com>, 2023.

Sobre a autora

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professora Permanente no Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) da Universidade Estácio de Sá. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.