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Tetrapharmakon: o remédio Epicurista para as dores da alma

Quando sentimos dor imediatamente pensamos em algum remédio para nos ajudar a combatê-la. Com o avanço da medicina existem diversos tipos de remédios para os mais variados tipos de problemas. Se você tem dor de cabeça, tem um remédio para isso. Se dói o estômago, tem remédio para isso também. Mas, e quando a dor é na alma? Existe remédio para isso também? Em caso positivo, qual será o alcance ou a eficácia desse tipo de “remédio”?

Vamos recorrer à Filosofia e regressar ao período Antigo para que possamos buscar caminhos para tais perguntas. Existe uma corrente de pensamento filosófico chamada Epicurismo, fundada por Epicuro, em Samos – Atenas no século IV a.C. Para esta corrente filosófica a felicidade é encontrada na busca pelo prazer, que vem da ausência de dor física (APONIA), e da ausência de perturbação da alma, como uma forma Tetrapharmakon: o remédio Epicurista para as dores da alma Por Aline dos Santos Barbosa e Marcello Romani-Dias de repouso e ausência de ansiedades e preocupações, que torna a alma humana, por meio das virtudes, inabalável e intocável pelos estímulos externos (ATARAXIA).

Mas, seguindo os preceitos de Epicuro, como podemos realizar esse “processo de busca da felicidade e cura” para as dores da alma?

Na porta da escola de Epicuro estavam escritos preceitos que ficaram conhecidos como Tetrapharmakon (quatro pharmakon – do grego, “drogas”) ou seja, quatro drogas, quatro remédios que seriam importantes para as pessoas com dores ou perturbações na alma. Por meio destes preceitos ou remédios, as pessoas que sofrem com dores em sua alma poderiam encontrar a paz e a cura para estas dores. Vamos conhecer estes quatro remédios recomendados por Epicuro para um tipo de cura da alma:

pharmakon: Não há nada a temer quanto aos deuses. Eles devem ser imitados e adorados, e não temidos;

pharmakon: Não há necessidade de temer a morte. A morte é a ausência de sentidos. Não se pode temer a morte porque não é possível saber nada após ela;

3o pharmakon: A felicidade é possível por meio da busca pelo prazer. O bem pode ser obtido;

4o pharmakon: Podemos escapar da dor e suportá-la. Mesmo o terrível chega ao fim.

Vamos refletir sobre estes remédios. Não devemos temer os deuses, nem a morte, e é possível encontrarmos a felicidade e escaparmos da dor. O que estes quatro remédios nos ensinam? Como, de fato, eles podem nos ajudar a curar a dor de nossa alma?

Dois destes remédios estão relacionados ao medo (deuses e morte) e dois relacionados às conquistas (felicidade e ausência de dor). Não temer a morte e os deuses é importante para que possamos viver uma vida leve. Como é possível ter paz na alma pensando em ser punido pelos deuses diariamente? Ou, pensando na morte o tempo todo? Sobre este ponto devemos nos lembrar dos ensinamentos de Baruch Spinoza, que defende a ideia de que o indivíduo não pode ser feliz em vida pensando a todo instante na morte.

De todo modo, a mensagem que podemos extrair é a de que podemos ser, digamos, “mais leves”.

Seja no plural ou singular, os deuses não são tiranos que buscam nos destruir diariamente.

Eles devem ser vistos como entidades que servem de exemplo e inspiração para sermos seres humanos melhores. E, para Epicuro, os deuses também têm muitos outros afazeres, e podem nos guiar para um caminho de evolução (trata-se de uma visão politeísta que pode ser adaptada para o monoteísmo).

Sobre a morte, não faz sentido, do ponto de vista filosófico, o temor por algo que não encontraremos em vida! O ser humano, enquanto dotado de sentidos, encontra na morte do corpo carnal a perda destes sentidos. Desse modo, seria ilógico temermos a morte, pois não haverá consciência ou sentidos após a morte (na visão Epicurista). Além disso, não controlamos ao certo nem quando nem como ela virá. Temos que nos preocupar com nossa alma, e não com a mortalidade do nosso corpo material.

Então, que sentido faz perturbar a alma com algo que não está sob nosso controle? Esta visão marca, inclusive, o pensamento da corrente filosófica do Estoicismo, que nasce na Grécia Antiga e que posteriormente ganhará grande força no Império Romano. Estoicos como Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio defendem que devemos separar aquilo que está sob nosso controle daquilo que não está. Essa noção é fundamental para a felicidade humana.

Entendemos, no entanto, que apenas com a superação do medo não é possível encontrarmos a paz para a alma.

Estes dois remédios, embora contribuam para a aponia e ataraxia, não são suficientes para a cura da alma. É necessário também a busca, a conquista de algo. Logo, Epicuro afirma que a felicidade é possível quando buscamos o prazer, ou seja, quando buscamos a ausência da dor e a tranquilidade na alma. E, por fim, como consequência, temos o último remédio que é a ausência de dor, não a física, mas a dor na alma. Por meio da educação dos nossos sentidos, podemos escapar da dor. Não existe dor na alma que dure para sempre. Mesmo as dores mais intensas e profundas vão sendo amenizadas e transformadas com o passar do tempo e a partir de nosso aprendizado em como lidar com elas.

Epicuro defende vivermos uma vida que contenha prazeres, mas não todo tipo de suposto prazer. Devemos ter a capacidade de julgarmos e discernirmos por meio da sabedoria, justiça, beleza e prudência, aquilo que trará benefícios para a alma, nos distanciando daquilo que causa dor e perturbação na alma. Logo, a utilização do tetrapharmakon está relacionada com o exercício de reflexão e avaliação sobre nossos desejos, negando aqueles que são advindos de necessidades inúteis, frívolas e artificiais.

E você, tem utilizado estes quatro remédios para livrar sua alma de certos tormentos ?

A Filosofia pode, em grande medida, contribuir contigo nessa busca, como fez conosco.

Em síntese, você pode ou não crer em um Deus punitivo, pode ou não trazer um olhar pessimista para a morte, pode ou não selecionar parte dos prazeres de sua vida e acreditar no bem, pode ou não acreditar no tempo como remédio para nossos males. Há muitas escolhas, como estas, que cabem a nós.

Como citar essa pensata: Barbosa, Aline dos Santos; Romani-Dias, Marcello. Tetrapharmakon: o remédio Epicurista para as dores da alma. Schola Akadémia, v.1, n.4, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2023.

Sobre os autores

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professora Permanente no Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) da Universidade Estácio de Sá. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

Marcello Romani-Dias

Filósofo, Doutor e Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Administração. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professor Titular nos Programas de Pós Graduação em Administração de Empresas e Gestão Ambiental da Universidade Positivo. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

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