ARISTÓTELES foi um dos primeiros filósofos ocidentais a tratar com profundidade do tema da felicidade, também por meio da influência que recebeu de Sócrates e de Platão. A visão aristotélica sobre o assunto é a de que o ser humano virtuoso é aquele que, em essência, busca a felicidade.
A filosofia nos ensina vários termos associados à felicidade, como Eudaimonia e Ataraxia. O termo Eudaimonia tem o seguinte significado etimológico: EU (aquilo que é bom/do bem) e DAEMON (intermédio entre deuses e homens/espírito/guia): um espírito bom capaz de guiar as pessoas pelos caminhos corretos. A ataraxia, por sua vez, pode ser vista como um meio para a felicidade. Este termo, cunhado pelo filósofo pré socrático Demócrito, significa imperturbabilidade da alma, o que nos remete à tranquilidade da alma, ausência de perturbação. São elementos fundamentais para que possamos contemplar a possibilidade da felicidade.
Pois bem. Nossa compreensão é a seguinte: esses termos, e muitos outros, nos trazem no máximo pistas sobre “caminhos felizes” que podemos tomar em nossas vidas, mas estão longe de trazer algum tipo de fórmula de felicidade válida para nós, meros bípedes cognitivos. Mas, então, como ficamos com a coisa toda da felicidade? Olha, na verdade não podemos ficar com a “coisa toda da felicidade”, pois ela é bem grande. Vamos ficar com um pouco de Aristóteles que já nos ajuda para o momento.
Aristóteles prega o equilíbrio para o alcance da felicidade. Para aqueles que tiverem mais interesse, o nome disso é “Ética do Equilíbrio em Aristóles” (ver especialmente as 12 virtudes morais classificadas pelo pensador grego). Pregar o equilíbrio é o mesmo, para ele, que evitar faltas e excessos. Nessa lógica de pensar temos, por exemplo, que a coragem é o equilíbrio entre a deficiência da covardia e o excesso da temeridade/imprudência, e que a temperança é o equilíbrio entre prazeres e dores.
Além da (i) coragem e da (ii) temperança, as outras dez virtudes que Aristóteles defende para tornar a Eudaimonia possível são as seguinte: (iii) liberalidade, (iv) magnificência, (v) justo orgulho, (vi) anônimo, (vii) calma, (viii) veracidade, (ix) espirituosidade, (x) amabilidade, (xi) modéstia e (xii) justa indignação.
A primeira pergunta que fazemos para nossos leitores e leitoras é, então, a seguinte: como estão suas virtudes? Esse tal equilíbrio tem sido possível ou são as faltas e excessos que vêm governando suas vidas? Vocês sentem que esse “inventário de virtudes” está de fato relacionado com suas felicidades? Isso é o mesmo que perguntar se vocês concordam com Aristóteles!
De qualquer forma, a felicidade acaba sendo o elo de muitos elementos da vida humana. A busca por essa tal paz e plenitude é a razão de muitos de nossos pensamentos e ações. As conquistas, os amigos, as ambições, a incessante busca pelos valores pessoais, os planos, a esperança. Mas, como podemos alcançar essa plenitude diante do fato de que tudo é momento, mutável, passageiro? E pior, como alcançar a felicidade quando ela é tão relativa? De certo modo, Aristóteles nos traz respostas para uma vida que pode ser virtuosa, aproximando-se dessa ideia, como já vimos.
Além das 12 virtudes que mencionamos, podemos pensar em um exemplo da importância do equilíbrio para a felicidade na visão aristotélica. Pense no singelo copo d’água que ilustra nosso texto. A felicidade pode ser, então, vista como esse copo, em que a água vai, por um tempo, saciando sua sede. Quando a água acaba lá vamos nós novamente encher o copo. A ausência completa de água nos mata em poucos dias, a ausência parcial pode nos trazer cálculos renais, aumentar nossa incidência de câncer e, em linhas gerais, encurtar nossa vida.
A água é um exemplo em que o perigo está mais na falta do que no excesso, mas ingerir uma quantidade muito grande de água pode provocar o desequilíbrio na concentração de eletrólitos no sangue, principalmente o sódio (hiponatremia), o que pode levar à “intoxicação por água”. Sim caros leitores e leitoras, nem a água escapa desse crivo! Devemos, então, refletir sobre a falta e sobre o excesso de tudo aquilo que nos cerca.
Aristóteles marcou o pensamento ocidental com suas ideias, vivíssimas até hoje. Se, por um lado, ele nos ensinou que existem limites para praticamente todas as coisas, por outro, ele pode ter contribuído para que não ultrapassemos certos limites em nossas vidas, limites que alguns filósofos chamarão de crenças limitantes. Tais crenças, criadas por nós e pela sociedade como um todo, podem servir, ao contrário, como barreiras para nossa felicidade. Se você tiver interesse por uma visão bastante diferente da ideia de equilíbrio de Aristóteles, leia “Assim Falou Zaratustra”, de Nietzsche, pensador existencialista que na obra declara o seguinte: “eu não sou um homem, sou uma dinamite.” E então, será possível sermos felizes enquanto “dinamites”? Será realmente possível sermos felizes buscando o equilíbrio em um mar tão grande de possíveis virtudes? Ainda em tempo, será possível sermos felizes? Isto é, a felicidade é algo possível para nós?
Como citar essa pensata: Stiegler, Andressa; Romani-Dias, Marcello. Felicidade: algo que buscamos e que pouco compreendemos. Schola Akadémia, v.1, n.2, p. 1-2. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2023.
Sobre os autores
Andressa Stiegler
Atualmente cursando Licenciatura em Filosofia. É barista e especialista em cafés. Tem interesse nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes e Felicidade.
Marcello Romani-Dias
Filósofo, Doutor e Mestre em Administração de Empresas. Bacharel em Administração. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professor Titular nos Programas de Pós Graduação em Administração de Empresas e Gestão Ambiental da Universidade Positivo. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Virtudes, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.