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O Outro Eu que Não Sou Eu

Era uma bela noite de quinta-feira feira. Letícia estava faminta e muito apertada para ir ao banheiro. Ao chegar em uma das únicas lanchonetes aberta na cidade às 2h30 da manhã, tinha duas coisas em mente: 1 ir ao banheiro e 2 comer um belo sanduíche! No entanto, seus objetivos foram interrompidos por um chamado. Um homem estava pedindo por ajuda para se alimentar na porta desta lanchonete. Letícia, parou prontamente para ouvir seu pleito. Neste momento, seus objetivos perderam toda importância diante do sincero clamor daquele que na madrugada implorava por alimento. Seu jeito simpático e educado diante da situação em que se encontrava cativara Letícia, que prontamente o convidou para entrar com ela e poder matar sua fome.

Qual sanduíche você vai querer? Indagou Letícia. O homem faminto e surpreso mal sabia o que responder, pois qualquer coisa naquele momento servia! Mas, Letícia insistiu para que ele escolhesse seu sanduíche. A atendente também surpresa com o comportamento de Letícia, narrou as opções para o homem que, com olhos arregalados diante de tantas delícias expostas na vitrine, apenas assentia com a cabeça. Uma palavra em especial chamou sua atenção, uma palavra conhecida, diante de tantas opções, um tipo de alimento que ele conhecia. “É esse, eu quero esse!” Esboçou um grande sorriso e até cantarolou uma música que usa esta mesma palavra. Agora com mais confiança, seguiu escolhendo e montando seu sanduíche. Sempre sorrindo e demonstrando a tamanha felicidade de ter sido visto e ouvido. Ele escolheu praticamente todas as opções que tinham disponíveis para serem utilizadas. Estava feliz, ansioso e queria aproveitar o máximo daquela oportunidade. Quantas vezes na vida será que ele teve opção de escolher o que comeria? De preparar seu próprio sanduíche com itens que ele gostava?

Chegando ao final do pedido, Letícia e o homem falaram ao mesmo tempo: “o que você vai beber?” “Posso pedir uma bebida?” Risos por esta coincidência engraçada. Ele então pôde escolher seu refrigerante favorito. Pediu tudo para viagem, pois ia se deliciar no abrigo disponibilizado pela prefeitura local. Feliz da vida ele foi embora, com seu grande sanduíche quentinho e seu refrigerante geladinho, rumo a uma noite feliz, ou pelo menos uma noite alimentado. Coisa que nem sempre acontecia, segundo ele!

Eu, espectadora desta incrível cena observava tudo atentamente, deliciando-me com cada detalhe deste momento de Alteridade. A alteridade é um conceito fundamental nas ciências sociais e filosofia, destacando-se como um princípio-chave para a compreensão das relações humanas e da construção de uma sociedade mais empática e inclusiva. Derivado do termo latino “alter”, que significa “outro”, a alteridade envolve a capacidade de reconhecer, respeitar e valorizar a diversidade de perspectivas, identidades e experiências que existem entre os indivíduos e grupos.

Em um mundo cada vez mais interconectado, a noção de alteridade ganha uma importância crescente. Ela nos lembra da complexidade inerente a cada ser humano e à variedade de culturas, crenças e contextos que moldam suas vidas. Reconhecer a alteridade é ir além da nossa própria visão de mundo e se abrir para a compreensão das vivências e realidades dos outros.

A alteridade é essencial para a promoção do diálogo construtivo e da convivência pacífica em uma sociedade diversificada. Ao adotarmos uma postura de alteridade, estamos dispostos a ouvir atentamente, a considerar diferentes pontos de vista e a reconhecer a validade das experiências alheias. Isso não significa necessariamente concordar com tudo, mas sim cultivar a empatia e o respeito mútuo. Além disso, a alteridade desafia preconceitos e estereótipos, convidando-nos a desafiar nossas próprias suposições e a questionar o desconhecido. Ela oferece uma base sólida para a luta contra a discriminação, a desigualdade e a exclusão social. Quando abraçamos a alteridade, estamos construindo uma sociedade mais inclusiva, na qual todas as vozes são ouvidas e valorizadas, independentemente de sua origem, gênero, orientação sexual ou crença.

No entanto, a prática da alteridade não é sempre simples. Ela exige um esforço constante para superar nossa tendência natural de nos apegarmos a nossas próprias perspectivas e ideias. Requer humildade para admitir que nosso conhecimento é limitado e que há muito a aprender com os outros. Ao mesmo tempo, a alteridade pode ser incrivelmente enriquecedora, permitindo-nos expandir nossos horizontes e cultivar um senso mais profundo de conexão humana.

Em última análise, a alteridade é um chamado para celebrar a diversidade humana e para reconhecer que a verdadeira riqueza da humanidade reside na multiplicidade de experiências, conhecimentos e visões de mundo. Ao adotar a alteridade como princípio orientador, estamos contribuindo para um mundo mais harmonioso e compassivo, onde as diferenças são não apenas toleradas, mas celebradas.

Na história de Letícia, a alteridade pôde ser observada porque ela se importou em perguntar o que aquele homem gostaria de comer e beber, não apenas lhe ofereceu o sanduíche mais barato do cardápio ou o que ela mais gostava. Note, ela poderia em um ato de muita empatia comprar o sanduíche mais caro da loja, o seu preferido, com muita boa intenção de agradar, mas isso não seria um ato de alteridade, pois ela estava fazendo por ele aquilo que ela gostaria que fosse feito para ela. Ouvimos muito esta frase “faça ao outro aquilo que gostaria que fosse feito para você”, mas refletindo nesta frase a partir da alteridade, ela seria reescrita da seguinte forma: “faça ao outro aquilo que ele gostaria que fosse feito para ele”.

Isso porque a alteridade envolve um compromisso ativo em ouvir, aprender e valorizar as perspectivas dos outros, mesmo que elas se afastem das nossas próprias. Olhe para o outro, pergunte ao outro o que ele quer, o que ele precisa, não acredite que o melhor para você é o melhor para o outro também, porque aquele outro é humano como você, mas é um humano diferente de você, é outro você!

Você consegue se lembrar de alguma situação em que você fez ao outro algo baseado no que você gostaria que fosse feito a você? Como foi essa experiência? E ao contrário, você já fez algo baseado no que o outro gostaria que fosse feito para ele? Como isso aconteceu?

Esperamos que esta pensata lhe ajude a olhar com olhos diferentes para os outros você que existem neste mundo.

Como citar essa pensata:
Barbosa, Aline dos Santos. O Outro Eu que Não Sou Eu. Schola Akadémia, v.1, n.6, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2023.

Sobre a autora

Aline Barbosa

Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professora Permanente no Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) da Universidade Estácio de Sá. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.

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