“Você é jovem e a vida é longa. E hoje há tempo para matar. E então um dia você descobre que dez anos ficaram para trás. Ninguém lhe disse quando correr, você perdeu o tiro de partida. Com menos fôlego e um dia mais perto da morte. Cada ano está ficando mais curto, parece que nunca encontro tempo.”
Música: Time
Composição: David Gilmour / Nick Mason /
Richard Wright / Roger Waters
Tradução nossa
Beatriz, uma mulher contemplativa e sensível, viu-se imersa em uma jornada de autodescoberta após enfrentar duas experiências profundamente marcantes no último ano. A primeira delas, a perda de Merlin, seu companheiro felino de duas décadas, trouxe consigo não apenas a tristeza da despedida, mas também uma reflexão intensa sobre o tempo e a própria existência.
Ao investigar a dor da perda, Beatriz percebeu que Merlin, adotado quando ela tinha apenas dez anos, era mais do que um simples animal de estimação. Ele foi testemunha silenciosa do seu crescimento, uma presença constante em todas as fases da sua vida até seus trinta anos. A morte de Merlin tornou-se um catalisador para questionamentos profundos sobre como ela havia preenchido essas duas décadas. O felino, em sua simplicidade, realizou suas funções naturais – comer, dormir, brincar, demonstrar carinho – enquanto Beatriz se questionava se havia cumprido seu propósito de maneira tão clara.
A segunda reviravolta na vida de Beatriz veio na forma de um diagnóstico oftalmológico. O cansaço visual e a visão turva foram sintomas de um pequeno grau de astigmatismo em ambos os olhos. A perspectiva de usar óculos, algo distante da sua experiência anterior com uma visão nítida, a abalou profundamente. O choro que se seguiu não era simplesmente pela necessidade de correção visual, mas sim pela representação simbólica do envelhecimento e da vulnerabilidade do corpo ao tempo.
A melancolia que a envolveu ao enfrentar a realidade dos óculos foi um confronto direto com a inevitabilidade do envelhecimento e a fragilidade da condição humana. Aos trinta e um anos, Beatriz sentiu-se compelida a encarar a passagem do tempo não apenas como uma constante, mas como um agente transformador de sua própria jornada.
Essas duas situações convergiram para moldar a perspectiva filosófica de Beatriz sobre a vida e principalmente sobre a passagem do tempo. Ela se tornou uma buscadora de significado em meio ao fluir do tempo, consciente de que cada dia é uma oportunidade única. A perda do seu gato Merlin e a necessidade de usar óculos não eram apenas eventos isolados, mas elementos interligados em sua narrativa existencial.
A reflexão profunda de Beatriz sobre suas escolhas e o uso do tempo a conduziu por um caminho de autoconhecimento e responsabilidade. Aos quase 31 anos, ela se viu confrontando questões existenciais que ecoavam em sua mente e ecoavam na câmara silenciosa de suas decisões passadas.
A inquietação provocada pelas perguntas sobre o que realizou em sua vida e se aproveitou plenamente da experiência de viver, despertou em Beatriz uma urgência para avaliar seu legado pessoal. O questionamento sobre a satisfação que sentiria se morresse amanhã se tornou um catalisador para uma profunda revisão de suas escolhas e ações.
Sua “bagagem” era agora reconhecida como uma coleção de escolhas que, em vez de nutrir sua essência, alimentaram inquietações internas. A ansiedade de não ter tempo para realizar tudo o que desejava na vida tornou-se uma sombra constante, obscurecendo a vivacidade que a vida poderia oferecer.
A pergunta crucial que ecoava em sua mente estava relacionada ao que era verdadeiramente importante para ela. Beatriz percebeu que essa clareza de valores era a bússola que faltava em suas decisões passadas. A busca por significado tornou-se uma jornada para desvendar suas prioridades genuínas, abandonando as expectativas externas que não refletiam sua essência.
Ao compreender que se sentia “morta por dentro”, Beatriz percebeu que o tempo não era apenas uma medida cronológica, mas sim uma oportunidade de viver com autenticidade e plenitude. Sua jornada de autoconhecimento a conduziu à compreensão de que, para preencher o tempo com significado, ela precisava começar por conhecer a si mesma, como nos inspira Sócrates.
Assim como Beatriz, nessa buscar por significado diante da passagem implacável do tempo, nós podemos encontrar conforto e orientação nos sábios ensinamentos de Sêneca, um importante filósofo Estoico. Sêneca afirmava que a vida não é curta, mas sim que nós a desperdiçamos. Logo, não é a falta de tempo que nos faz sentir que a vida é curta, mas sim o desperdício do tempo que temos. Ele destaca que muitas pessoas vivem como se fossem viver para sempre, adiando decisões importantes e ações significativas.
Sêneca argumenta que a verdadeira longevidade está na qualidade da vida que vivemos e não na quantidade de anos vividos. Por isso, uma mente sábia e uma vida bem vivida transcendem as limitações temporais do corpo. Sendo o tempo nosso recurso mais valioso e precioso, Sêneca aconselha que apreciemos e utilizemos o tempo com sabedoria, pois é um recurso finito que nunca poderá ser recuperado por nós.
A urgência que Beatriz sentiu não era apenas uma consequência da passagem do tempo marcada por sua idade, mas uma chamada para viver conscientemente a cada momento. Ao aceitar a responsabilidade por suas escolhas passadas, ela percebeu que a verdadeira riqueza do tempo está na qualidade das experiências vividas, não na quantidade de anos acumulados.
Com a sabedoria de Sêneca podemos transformar diariamente a angústia do tempo perdido em uma oportunidade para viver com mais sabedoria no presente. Podemos abraçar a ideia de que o tempo é um recurso finito, e cada escolha consciente é um investimento no enriquecimento da vida.
A filosofia de Sêneca pode nos guiar para além das sombras da ansiedade e do medo da morte ao reconhecermos que, ao focar no presente e fazer escolhas alinhadas com nossos valores, exerceremos nossa humanidade ao máximo. Nossa jornada tornar-se-á uma celebração da vida autêntica, em que cada dia será uma oportunidade para aprender, crescer e contribuir para um legado que genuinamente nos orgulhe.
Ao invés de lamentar o que poderia ter sido, devemos viver com gratidão e perceber que a passagem do tempo, longe de ser uma ameaça, é uma dádiva que nos impulsiona a abraçar a existência com plenitude.
Com a história de Beatriz e a sabedora de Sêneca, convidamos você, cara leitora e caro leitor, a refletir sobre o que é importante para você. Sobre quais escolhas diárias você tem feito em sua rotina e como você tem investido o seu precioso tempo. Se sua resposta não te deixar em paz, assim como aconteceu com Beatriz, reflita sobre quais decisões você precisa tomar para que você possa priorizar o que é importante e que está alinhado aos seus valores.
Encerramos esta reflexão reformulando a conhecida frase associada a Benjamin Franklin, substituindo “Tempo é Dinheiro” por “Tempo é Vida”. Devemos empregar nosso tempo de maneira eficaz, utilizando-o a nosso favor e considerando a morte como uma conselheira, à semelhança de Marco Aurélio. Este conhecido Imperador Romano e filósofo nos recorda da efemeridade da existência humana, ressaltando a brevidade da vida. Ao confrontarmos a inevitabilidade da morte, sentimos o estímulo para viver de maneira virtuosa, apreciando cada momento com sabedoria.
Como citar essa pensata: Bacchiocchi, Luísa; Barbosa, Aline dos Santos. A Gestão do Tempo para uma Vida com Propósito. Schola Akadémia, v.2, n.10, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2023.
Sobre as autoras
Luísa Bacchiocchi
Mestranda em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getulio Vargas. Graduada em Administração de Empresas e Pós-Graduada em Liderança e Inovação. Atualmente trabalha com novas abordagens e metodologias ativas em educação corporativa na FGV. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Comportamento Humano e Combate ao Sexismo.
Aline Barbosa
Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professora Permanente no Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) da Universidade Estácio de Sá. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.
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