“Mas, para que não ficasse orgulhoso demais por causa das coisas maravilhosas que vi, eu recebi uma doença dolorosa, que é como um espinho na carne. Ela veio como um mensageiro de Satanás para me dar bofetadas e impedir que eu ficasse orgulhoso. Três vezes orei ao Senhor, pedindo que ele me tirasse esse sofrimento. Mas ele me respondeu: “A minha graça é tudo o que você precisa, pois o meu poder é mais forte quando você está fraco.” Portanto, eu me sinto muito feliz em me gabar das minhas fraquezas, para que assim a proteção do poder de Cristo esteja comigo. Eu me alegro também com as fraquezas, os insultos, os sofrimentos, as perseguições e as dificuldades pelos quais passo por causa de Cristo. Porque, quando perco toda a minha força, então tenho a força de Cristo em mim.” 2 Coríntios 12: 7-10
Provavelmente você já leu esta passagem na Bíblia ou já ouviu alguma mensagem sobre ela, pois é uma citação bastante utilizada para ilustrar a graça e força divina em nossas vidas. Crendo ou não na Bíblia, esta passagem nos convida a refletirmos sobre seu significado filosófico e teológico. O “espinho na carne” mencionado pelo apóstolo Paulo na Bíblia, é um conceito rico e que pode ser amplamente explorado. Embora o texto não forneça detalhes específicos sobre a natureza desse espinho na carne de Paulo, muitos estudiosos e teólogos têm debatido seu significado e implicações ao longo dos séculos.
Em uma interpretação filosófica, o “espinho na carne” pode ser visto como um símbolo da imperfeição humana e das lutas que todos enfrentam em suas vidas. Ele representa as dificuldades, fraquezas e limitações que acompanham nossa existência. Para Paulo, esse espinho era uma lembrança constante de sua dependência de Deus e de sua própria insuficiência enquanto humano.
Sob uma abordagem filosófica existencialista ocidental, também se torna viável aplicar essa metáfora. O espinho na carne de Paulo poderia ser entendido como uma metáfora das ansiedades existenciais e do sofrimento que todos os seres humanos enfrentam ao confrontar as incertezas e limitações da vida. Assim como Sartre argumentava que a existência precede a essência, o espinho na carne nos lembra que nossa existência muitas vezes está repleta de desafios imprevisíveis que moldam nossa jornada. Se nos voltarmos para o pensamento de uma das filosofias mais antigas do mundo, que se desenvolveu ao longo de milênios na Índia – o hinduísmo, o “espinho na carne” de Paulo poderia ser interpretado de várias maneiras. Uma delas é o desapego e o autoconhecimento. O conceito de desapego e autoconhecimento é profundamente enraizado na filosofia hinduísta e representa um dos aspectos fundamentais da busca espiritual no hinduísmo. Esses princípios também podem ser aplicados de maneira intrigante à experiência de Paulo e à sua compreensão do “espinho na carne”.
No hinduísmo, o desapego (ou vairagya) refere-se à capacidade de se libertar das amarras das preocupações mundanas, dos desejos materiais e das emoções humanas. Isso não significa a rejeição do mundo, mas a capacidade de manter uma perspectiva equilibrada e não se deixar dominar pelas preocupações temporais. É uma qualidade fundamental para aqueles que buscam a iluminação espiritual e a liberação do ciclo de reencarnação (samsara).
O autoconhecimento, ou “atma-jnana“, é outra pedra angular da filosofia hinduísta. Envolve uma busca interior profunda para entender a verdadeira natureza do ser e reconhecer a unidade da alma individual (Atman) com a divindade cósmica (Brahman). Esse conhecimento interno é considerado o caminho para a realização espiritual e a libertação (moksha).
Voltando a Paulo e seu “espinho na carne”, podemos considerar que sua experiência pode ser vista sob essa lente. Ao enfrentar desafios pessoais e aflições, ele poderia estar em um processo de desenvolvimento do desapego das preocupações mundanas. Esses desafios podem tê-lo incentivado a buscar um conhecimento mais profundo de sua fé e do propósito de sua vida. Por meio desses desafios, Paulo pode ter se questionado sobre o significado de suas ações e motivações pessoais, bem como sua conexão com sua fé e com Deus. Esse processo de autoexame e busca espiritual pode ter sido uma forma de autoconhecimento, permitindo-lhe crescer em sua compreensão espiritual e desenvolver uma relação mais profunda com sua fé.
Portanto, sob a perspectiva do hinduísmo, a aflição de Paulo pode ser interpretada como uma oportunidade para crescer em direção ao desapego das preocupações mundanas e para buscar um autoconhecimento mais profundo. Essa abordagem oferece uma maneira interessante de analisar a experiência de Paulo à luz dos princípios espirituais hindus, destacando a universalidade desses conceitos em diferentes tradições religiosas e filosóficas.
Por fim, vamos contemplar a resposta divina ao pedido de Paulo para que Deus removesse o “espinho” em sua vida: A minha graça é tudo o que você precisa, pois o meu poder é mais forte quando você está fraco.” Essa resposta nos instiga a uma profunda reflexão sobre o conceito de graça e a relação intrincada entre fraqueza e força. Essa ideia pode ser interpretada como a noção de que, por meio de nossas fraquezas e lutas físicas e materiais, descobrimos uma força espiritual e uma transcendência. Em paralelo a essa concepção, lembramos as palavras de Platão, que via o corpo como a fonte de desejos, paixões e necessidades materiais, enquanto a alma, que ele considerava a parte mais elevada do ser humano, anseia por sabedoria, verdade e conhecimento. Para Platão, o corpo representava uma prisão temporária da alma, e as distrações físicas e emocionais do corpo poderiam dificultar a busca pela verdade e pelo autoconhecimento. Conforme ele argumentava, “o corpo perturba a alma”.
Diante disso, convido você, prezada leitora e caro leitor, a considerar quais são os “espinhos em sua carne” que estão lhe perturbando a alma ou que estão lhe permitindo explorar um conhecimento mais profundo acerca do sentido e do propósito de sua vida?
Como citar essa pensata:
Barbosa, Aline dos Santos. O Espinho na Carne: Buscando Sentido e Propósito na Filosofia Cristã e Hinduísta. Schola Akadémia, v.1, n.7, p. 1-3. Disponível em: www.scholaakademia.com, 2023.
Sobre a autora
Aline Barbosa
Filósofa, Doutora e Mestra em Administração de Empresas. Bacharel em Comunicação Social. Atualmente cursando Licenciatura em História. É Professora Permanente no Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) da Universidade Estácio de Sá. Tem interesse de pesquisa nas temáticas sobre Filosofia, Ética, Amor, Desigualdade de Gênero nas Organizações e Sociedade, Violência contra as Mulheres, Carreiras não Tradicionais, Estratégia e de Sustentabilidade, e publica estudos nacionais e internacionais sobre estes tópicos.